segunda-feira, 30 de maio de 2011

E assim passaram 10 anozzzzzzzzzzzzz

por Vladimir Aras*

Charge: Duke.
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Está ouvindo? Zzzzzzzzzzzzzzz” é como ficam dormitando os processos nos escaninhos do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria, das Advocacias de Estado, das Polícias e nos escritórios advocatícios.
Dormem em silêncio todas as causas, as pequenas e as ruidosas, eternamente “deitadas em berço esplêndido”. Com o caótico sistema recursal brasileiro, nem precisamos culpar a Sra. Glossina palpalis, a mosca tsé-tsé que picou Têmis assim que a deusa ocidental chegou às nossas terras lá pelos idos de 1500.

A Justiça é lenta, muito lenta. Por isto, louvo a iniciativa do senador Ricardo Ferraço, do Espírito Santo, de apresentar ao Congresso Nacional a PEC 15/2011. Anote o número. Ouviremos muito sobre ela daqui em diante. Trata-se de um aperfeiçoamento da PEC Peluso ou PEC dos Recursos, assim denominada porque partiu do presidente Cezar Peluso a ideia de reformar o recurso extraordinário (ao STF) e o recurso especial (ao STJ), dando-lhes feição de ações rescisórias, a fim de trazer alguma eficiência para o sistema judiciário.

Esta PEC surgiu em função da necessidade de dar um basta ao descalabro das quatro instâncias da Justiça brasileira (juízes de primeiro grau, tribunais de apelação, STJ e STF), que se multiplicam “milagrosamente” em centenas de graus, dando lugar a infindáveis agravos e embargos de embargos de embargos, que o mais das vezes só embargam a Justiça e agravam a situação de impunidade e de falta de credibilidade do sistema judiciário brasileiro. Já falei disto em outros posts neste mesmo blog, inclusive sobre os tais recursos-centopeias. Confira as três inserções abaixo, que continuam atuais:
1. O abominável caso do Sr. Neves.
2. Arre, égua! Demorou.
3. Inocente até prova em contrário.

Este último post foi “melhorado” e transformado em artigo para a revista Carta Forense, edição de março/2011, com o título de “Diminuição do quadro de instâncias: posição favorável“, Clique aqui para ler.

Aproveito para divulgar novamente o link do ótimo artigo dos colegas de Ministério Público Luiza Christina Fonseca Frischeisen, Monica Nicida Garcia e Fabio Gusman, intitulado
Execução provisória da pena: panorama nos ordenamentos nacional e estrangeiro“, disponível aqui.

Quanto ao texto apresentado pelo senador Ferraço, já começou a ladainha de sempre. A PEC 15/2011 seria inconstitucional, pois tendente a abolir garantia fundamental (art. 60, §4º, CF). Cláusula pétrea, alegam. De pedra mesmo são as pesadas lápides que cobrem os túmulos dos milhares de brasileiros (um dia serão milhões?) que morreram à espera da Justiça que tardou e para eles falhou.

Acaso existe direito fundamental à chicana, à mora, à enrolação, ao atraso ou à prescrição? Só se existir o direito à impunidade, o direito de se dar bem às custas alheias e o direito de empurrar problemas adiante, para as calendas gregas (vocês já viram que gosto desta expressão), aquelas que nunca chegam.

Recursos: e ainda tem
 gente que acha pouco

A recém-nascida, temida e já odiada PEC 15/2011, a que diminui o tempo de tramitação dos processos e traz segurança jurídica para as relações sociais, altera os artigos 102 e 105 da Constituição. Onde hoje se lê recurso extraordinário estará escrito “ação rescisória extraordinária” (art. 102), para a qual o STF exigirá a demonstração de repercussão geral.
 
A ação rescisória extraordinária será ajuizada contra decisões que, em única ou última instância, tenham transitado em julgado, sempre que contrariarem dispositivo da Constituição; declararem a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgarem válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; ou julgarem válida lei local contestada em face de lei federal.


Já no art. 105 da Constituição, que lista as competências do STJ, onde está escrito “recurso especial” leremos “ação rescisória especial“, que poderá ser ajuizada contra decisões dos tribunais regionais federais ou dos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios que, em única ou última instância, tenham transitado em julgado, sempre que contrariarem tratado ou lei federal, ou lhes neguem vigência; julgarem válido ato de governo local contestado em face de lei federal; ou derem a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

O argumento de que a PEC Peluso reduz garantias é falacioso, pois a garantia universal para o processo (penal e civil) é a do duplo grau e esta permanecerá intacta. Nenhuma convenção internacional prevê o direito fundamental aos recursos excepcionais como impeditivos do trânsito em julgado. A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e a Convenção Europeia de Direitos Humanos asseguram o direito ao duplo grau, isto é, o direito de revisão da decisão judicial proferida na instância inferior por um colegiado de instância superior, formado por juízes mais experientes.

Não há lesão alguma a qualquer cláusula pétrea, pois o mesmo artigo 102 da Constituição foi objeto de reforma pelas Emendas 22/1999 e 45/2004, que mexeram no habeas corpus e no próprio recurso extraordinário, com a introdução para este de um requisito que limitou sua admissibilidade, a necessidade de comprovação da repercussão geral. Não teria sido a EC 45/2004 empregada para abolir direito ou garantia individual?

Com a nova proposta, o duplo grau constitucional e convencional permanece onde está e no lugar dos recursos excepcionais (este adjetivo já diz algo sobre o tema) surgirão as ações rescisórias anômalas. O efeito prático é um só: antecipar o trânsito em julgado das decisões judiciais confirmadas em segundo grau, sem prejuízo de sua rescisão pelos tribunais superiores.

A PEC Peluso ainda tem o mérito de valorizar as instâncias ordinárias, os juízes de primeiro grau, os tribunais de Justiça, os tribunais regionais federais, os tribunais regionais eleitorais e as turmas recursais, que julgam plenamente as causas quanto ao mérito e à matéria processual.

Outro argumento de pouco siso lançado contra a PEC 15/2011 é o que diz que a supressão dos recursos anômalos acarretará mais erros judiciários. Ninguém jamais provou que os juízes e tribunais de apelação erram mais do que os tribunais superiores. Suspeito que o risco de erro judiciário seja muito maior na cúpula do Judiciário, porque os ministros, embora profundos conhecedores do Direito, estão afastados da prova. Ninguém duvida da importância dos princípios da imediatidade e da identidade física do juiz. Decide melhor quem teve contato com a prova, e não quem dialoga com as partes e com o processo à distância, com vários intermediários pelo caminho.

Por outro lado, devemos lembrar que as cortes superiores não decidem a matéria de fato nos recursos especial e extraordinário, o que permite concluir que as decisões dos TJ e dos TRF já são (pelo menos deveriam ser!) finais no que é mais relevante: o sentido do julgado, ou seja, se a Justiça acertou ou errou. Quem pariu Mateus? Foi Tício quem matou Lívio? Mévio estuprou Caio? Foi Sicrano quem lesou Beltrano? Fulano deu calote em Tércio? Quem tem razão, Chico ou Francisco?

Não nego a importância das formas processuais; os tribunais superiores cuidam delas nas suas competências recursais, em nome do devido processo legal. As formas também podem atuar como garantias, mas o Direito serve ao homem, no tempo do homem, e não às formas.

A partir de uma certa doutrina, o parnasianismo processual contaminou parte do Judiciário e sedimentou a síndrome da Justiça que não decide nunca, por cultivar uma paixão incontida pela forma. Vivem os tribunais em busca do procedimento perfeito, tão ilusório quanto a “verdade real”.

Imaginem se estas longas discussões judiciais ocorressem no futebol, campo no qual os árbitros erram e acertam, mas decidem? Foi gol ou não? O atacante estava impedido? Transportemos essa indefinição para o jogo da vida, em pleno campeonato, no campo onde somos e vivemos, e veremos quão prejudicial é essa espera de anos e anos para as relações sociais e para a economia, na esfera civil.

As formas são instrumentais à obtenção da Justiça do caso concreto, a única que é possível a homens e mulheres mortais. Se os juízes “inferiores” são falíveis, os magistrados “superiores” também o são, e nada garante que estes julgam melhor que os da base da pirâmide, especialmente porque no Brasil o acesso às cortes superiores tem alguns atalhos (o quinto constitucional é um deles) que permitem que as decisões dos juízes que conhecem o pó da estrada sejam reformadas por magistrados novatos, quase juízes-estagiários.

Prova inconteste de que a PEC Peluso viria para o bem é o que aconteceu ontem, 24/maio. Finalmente, depois de não sei quantas idas e vindas, foi julgado o último dos recursos interpostos pelo jornalista Pimenta Neves, assassino de Sandra Gomide. Com a rejeição do agravo regimental no agravo de instrumento no recurso extraordinário 795.677/SP (rel. min. Celso de Mello), o veredicto condenatório do júri de Ibiúna tornou-se definitivo depois de passar 5 anozzzzzzzzz apenas nas instâncias recursais (TJ, STJ e STF). O réu foi condenado em maio de 2006 por um crime que ocorreu em agosto de 2000, e assim passaram 10 anozzzzzzzzz. No final deste calvário de mais de uma década, encerrado ontem pela 2ª Turma do STF, o acusado, que permaneceu em liberdade, teve sua pena reduzida, e a família da moça só conheceu “pranto e ranger de dentes”.

Antigamente podíamos reclamar ao bispo quando as decisões judiciais demoravam ou não eram corretas (leia aqui). Agora só faltaria mesmo ao sentenciado Pimenta Neves recorrer ao bispo de Roma, também conhecido como Papa, pois em Brasília finalmente a causa está encerrada. Sentiu-se até um certo constrangimento no recinto quando os ministros da 2ª Turma determinaram a prisão de Pimenta Neves. Acabara o cafuné processual. O réu dormiria na cadeia, e não mais no colo de Têmis.

No intervalo entre o anúncio da decisão e a comunicação à Polícia paulista temeu-se que o réu usasse outra medida processual: o recurso às linhas aéreas, as que levam para fora do País. Foi isto que tentou fazer, sem êxito, o diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, ao ser preso nos EUA no começo do mês, o mesmo recurso que “teria interposto”, com o sucesso esperado, o médico brasileiro Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos por repetidos estupros contra dezenas de pacientes de sua clínica de horrores.

Como este direito processual (o recurso à fuga) não deu certo para Pimenta Neves (ele foi preso ontem mesmo), ainda lhe resta socorrer-se da prisão em domicílio. O condenado tem mais de 70 anos e poderá pedir para cumpri-la em recolhimento domiciliar com base na Lei das Execuções Penais (art. 117, inciso I, da Lei 7.210/84) assim que progredir para o regime aberto.

Ao contrário do que ocorre com a chegada do trânsito em julgado, isto não demora muito. Como o crime ocorreu no ano 2000, bastará ao condenado cumprir um sexto da pena de 15 anos e ele estará no regime semi-aberto, que admite trabalho externo (art. 35 do CP). Isto dá 2 anos e 6 meses no regime fechado. Mas, como Pimenta Neves permaneceu por 7 meses em prisão preventiva, aquele prazo cairá para 1 ano e 11 meses, que se completarão em abril/2013. Com mais um sexto de pena cumprida no modelo intermediário, Pimenta Neves terá progressão para o regime aberto numa rapidez invejável. Tudo de acordo com a generosa lei brasileira, como se lê no art. 112 da LEP e na Súmula 471 do STJ.

Este caso midiático é só um exemplo, entre tantos que corroem a paciência dos brasileiros, nas áreas cível e criminal. Não se pode negar que os tribunais superiores sejam capazes de corrigir condenações injustas. Mas, proporcionalmente, isto é uma raridade, diante dos milhares de casos que são julgados todos os anos Brasil afora. Com a PEC dos Recursos isto não deixará de ser possível. Os habeas corpus e as ações rescisórias excepcionais continuarão a cumprir o papel de conduzir às cortes superiores os temas mal resolvidos nas instâncias de menor grau.

Inconstitucional o projeto de emenda 15/2011 não é. Se existe a palavra, a PEC Peluso é “constitucionalíssima”, porque atende ao princípio da eficiência da Justiça criminal (art. 37, CF) sem despir os réus da garantia do duplo grau de jurisdição; porque tutela os direitos fundamentais das vítimas, das partes e da sociedade (vida, propriedade, honra, intimidade, probidade, segurança, etc); e porque o faz de forma a atender o postulado do art. 5º, LXXVIII, da Constituição, que assegura a todos (a todos!) a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Entre estes “meios de aceleração” está a antecipação do trânsito em julgado das decisões em segundo grau, como quer a PEC 15/2011. E, entre esses cidadãos aos quais a Constituição chamou de “todos”, estão as vítimas, estão suas famílias e estamos você e eu.

* Vladimir Aras é Procurador da República e Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.
 
Fonte:Blog do Vlad
 
 
 

quarta-feira, 25 de maio de 2011

MAURÍCIO SALLES BRASIL: LIBERDADE DE EXPRESSÃO OBTÉM IMPORTANTE VITÓRIA NA BAHIA


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TRIBUNAL PLENO

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA Nº. 002099-21.2006.805.0000-0 (NÚMERO ANTIGO 58013-3/2006), DA COMARCA DE SALVADOR

QUERELANTES: DES. CARLOS ALBERTO DULTRA CINTRA E SR. MANOEL VITÓRIO DA SILVA FILHO
ADVOGADOS: DR. ANTÔNIO VIEIRA E DR. LOURIVAL VIEIRA
QUERELADO: DR. MAURÍCIO ANDRADE DE SALLES BRASIL, JUIZ DE DIREITO TITULAR DA 8ª VARA DE FAMÍLIA DA COMARCA DE SALVADOR
ADVOGADO: DR. AUGUSTO RAYMUNDO BOMFIM DE PAULA
RELATORA: DESA. IVETE CALDAS SILVA FREITAS MUNIZ

DECISÃO

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA DE NATUREZA PRIVADA. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PLENO. ARTIGO 83, X, “A” DO RITJ/BA. QUERELANTES QUE ATRIBUEM AO JUIZ DE DIREITO QUERELADO A PRÁTICA DO DELITO DE INJÚRIA MAJORADA CONTRA MEMBRO EFETIVO DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, E DOS CRIMES DE DIFAMAÇÃO E INJÚRIA MAJORADAS CONTRA O ENTÃO SUPERINTENDENTE DO EXTINTO INSTITUTO PEDRO RIBEIRO DE ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA (IPRAJ). FASE PROCESSUAL DE EXAME DAS QUESTÕES LEVANTADAS NA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. COMPETÊNCIA DO RELATOR, A TEOR DOS ARTS. 2º E 3º DA LEI Nº. 8.038/90 C/C ART. 1º DA LEI Nº. 8.658/93, ARTS. 285/286 DO RITJ/BA E ART. 397 DO CPP. OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO, QUANTO AOS CRIMES DE INJÚRIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NA FORMA DO ART. 61 DO CPP . EVIDÊNCIA MANIFESTA DE CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE, QUANDO AO DELITO DE DIFAMAÇÃO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO (ART. 23, III, ÚLTIMA PARTE DO CP). FATOS QUE IMPÕEM A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA DO JUIZ DE DIREITO QUERELADO, COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 397, INCISOS I E III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

Vistos, etc.

Versam os presentes autos sobre ação penal originária, iniciada mediante queixa-crime, proposta pelo Desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra, membro efetivo deste Egrégio Tribunal de Justiça, e por Sr. Manoel Vitório da Silva Filho, então Superintendente do extinto Instituto Pedro Ribeiro de Administração Judiciária (IPRAJ), apontando como querelado o Juiz de Direito Dr. Maurício Andrade de Salles Brasil, titular da 8ª Vara de Família da Comarca de Salvador.

A queixa-crime de fls. 02 a 04 foi oferecida com base nos documentos de fls. 04 a 34, tendo sido inicialmente distribuída para a eminente Desembargadora Zaudith Silva Bastos, em 15/01/2007 (fl. 35).

Em cumprimento ao artigo 4º da Lei nº. 8.038/90, o Juiz de Direito querelado apresentou defesa preliminar às fls. 57 a 86, instruída com os documentos de fls. 87 a 112, tendo-se formulado, em síntese, pedido de rejeição da queixa-crime, por atipicidade da conduta imputada, por ausência de dolo.

Tendo em vista a juntada de novos documentos pelo querelado, os querelantes apresentaram nova manifestação às fls. 120 a 122.

A douta Procuradoria de Justiça emitiu o parecer de fls. 127 a 131, em 02/05/2007, subscrito pelo Procurador de Justiça Dr. Hermenegildo Virgílio de Queiroz, pelo recebimento da queixa-crime.

Às fls. 134 a 137, consta relatório apresentado à apreciação dos eminentes Desembargadores integrantes do Tribunal Pleno, lavrado pela então Relatora do feito, Desembargadora Zaudith Silva Santos, para inclusão em pauta de julgamento (fl. 133).

Foi prolatado despacho pela Relatora à fl. 139, datado de 25/05/2007, pedindo a designação de novo dia para a apreciação do órgão plenário, providência repetida à fl. 158, em 13/07/2007.

Na petição de fl. 164, o Advogado dos querelantes, Dr. Antônio Vieira, pugnou por novo adiamento, deferido pela relatora em 25/07/2007 (fl. 167).

Na sessão plenária ordinária judicante de 14/09/2007, foi suspensa a assentada, por ter pedido vista o Desembargador Mário Alberto Simões Hirs, após o voto da Relatora, Desembargadora Zaudith Silva Santos, recebendo a queixa-crime. Os demais membros do Colegiado optaram por aguardar (fl. 185).

Com o prosseguimento do julgamento, em sessão realizada em 28/09/2007, foi o feito retirado de pauta, em razão da aposentadoria da Relatora, Desembargadora Zaudith Silva Santos (fl. 187).

Às fls. 174 a 184, foi juntado o voto da mencionada Relatora, pelo recebimento da queixa-crime.

Redistribuídos os autos, atribuiu-se nova relatoria do processo ao Desembargador Antônio Roberto Gonçalves (fl. 189), ocasião em que este apresentou relatório complementar às fls. 191/192, em 06/11/2007, pedindo inclusão do feito para julgamento, e, na sessão plenária ordinária judicante de 23/11/2007, foi recebida a denúncia, à unanimidade (fl. 200).

Apresentou voto-vista o Desembargador Mário Alberto Simões Hirs (fls. 201 a 209), pelor recebimento da queixa-crime, tendo o Relator, Desembargador Carlos Roberto Gonçalves, também apresentado o seu voto e acórdão, às fls. 210 a 215.

Por despacho datado de 17/10/2008 (fl. 225), foi designada audiência para a ouvida do Juiz de Direito querelado, para o dia 30/10/2005, posteriormente remarcada para o dia 28/10/2008 (fl. 227), e, depois, para o dia 12/11/2008 (fl. 232).

A defesa do Juiz de Direito querelado apresentou embargos declaratórios em 28/10/2009, em face do despacho que designou audiência para o dia 28/10/2010 (fls. 235 a 246), acolhido pela decisão monocrática de fls. 257/258, no sentido de adiar a assentada antes designada, para o dia 12/11/2008.

À fl. 272, foi juntado o Ofício nº. 577/2008 – SR2VP, assinado pelo eminente Desembargador Jerônimo dos Santos, então 2º Vice-Presidente deste Egrégio Tribunal de Justiça, a respeito de informações prestadas sobre o Habeas Corpus nº. 121694/BA, impetrado em favor do querelado, junto ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, bem como os documentos de fls. 273 a 312, referentes à mencionada ação constitucional.

À fl. 319, consta despacho da Juíza Convocada Dra. Dinalva Gomes Laranjeira Pimentel, encaminhando os autos à Desembargadora Maria José Sales Pereira, então 1ª Vice-Presidente, objetivando pronunciamento, por tratar-se de processo de competência de membros efetivos do Tribunal, tendo-se decidido, às fls. 322/323, pela redistribuição do feito junto aos membros efetivos desta Corte de Justiça, ocasião em que sorteou-se esta magistrada para a função de relatora, em 17/11/2010 (fl. 324).

Em atendimento à decisão de fls. 326 a 331, prolatada por esta relatora, com a finalidade de atender ao disposto pelo artigo 396 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº. 11.719/08 c/c art. 9º da Lei n. 8.038/90, o Juiz de Direito querelado apresentou resposta à acusação às fls. 339 a 346, instruída com os documentos de fls. 347 a 367, onde se alega, em síntese, preliminar de nulidade quanto ao recebimento da denúncia, além de atipicidade das condutas imputadas, por ausência de dolo.

É o relatório.

Registre-se, inicialmente, a competência desta relatora para exame e consequente decisão das questões levantadas nesta fase procedimental de resposta à acusação, a teor dos arts. 2º e 3º da Lei nº. 8.038/90 c/c art. 1º da Lei nº. 8.658/93, arts. 285, parágrafo único e 286, do RITJ/BA (Resolução nº. 13/08) e art. 397 do CPP.

Em primeiro lugar, importa analisar a questão preliminar suscitada pela defesa do Juiz de Direito querelado, na resposta à acusação de fls. 339 a 346.

Afirma-se, em resumo, existência de nulidade quanto à decisão de recebimento da denúncia, sob o fundamento de que Juízes Convocados não podem participar de julgamento em ações penais originárias, sob pena de violação do princípio constitucional do juiz natural.

A questão preliminar deve ser rejeitada, pelas seguintes razões:

O art. 17, III, da então vigente Resolução nº. 03, de 23 de agosto de 1999 (Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia), impunha que o quorum para funcionamento do Tribunal era composto pela maioria absoluta dos seus membros efetivos.

O dispositivo legal citado possuía a seguinte redação:

Art. 17 - O Tribunal funcionará: […] III- com o comparecimento de mais da metade dos seus membros, para os julgamentos comuns, instauração de processo disciplinar contra magistrado e para a eleição do Presidente, Vice-Presidente e Corregedor-Geral.

O vigente Regimento Interno do TJBA também prevê o mesmo quorum – de maioria absoluta –, conforme o art. 83, X, a e parágrafo único, da Resolução nº. 13, de 04 de setembro de 2008, com as alterações Emenda Regimental nº. 06/2009.

Os artigos citados possuem o teor abaixo:

Art. 83 - Ao Tribunal Pleno, constituído por todos os membros efetivos do Tribunal de Justiça, compete privativamente: […] X - processar e julgar originariamente: a) nas infrações penais comuns, inclusive nas dolosas contra a vida e nos crimes de responsabilidade, os Deputados Estaduais, os Juízes Estaduais, os membros do Ministério Público Estadual, o Procurador-Geral do Estado, o Defensor Público Geral e os Secretários de Estado; […] Parágrafo único. É indispensável, observado o inciso III do artigo 67 deste Regimento, a presença de, no mínimo, dois terços dos membros para o funcionamento do Tribunal Pleno, sendo que, para o julgamento dos feitos constantes dos incisos IX, X, alíneas "a" e "b", XI, alíneas "i", "j" e "s", XV, alíneas "a", e "b", o quórum mínimo será composto pela maioria absoluta dos membros efetivos.” (grifo ausente no original)

A súmula de fl. 200, correspondente à sessão de julgamento de 23/11/2007, do Tribunal Pleno, em que foi recebida a queixa-crime, evidencia a presença de 19 (dezenove) Desembargadores e 06 (seis) Juízes Convocados.

Ainda que se admita que o total dos membros efetivos do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia era, então, igual ao atual, que é de 35 (trinta e cinco) – conforme publicação do DPJ eletrônico de 12/04/2011 –, é possível concluir que a maioria absoluta correspondente (ou seja, metade mais um) seria de 19 (dezenove) membros, exatamente o número de Desembargadores presentes na ocasião questionada.

Contudo, importa pôr em destaque que o número de membros efetivos no ano de 2007, era inferior ao atual, além de que o cálculo aqui realizado prezou pelo arredondamento para cima.

Logo, a presença de dezenove Desembargadores na sessão em que foi recebida a denúncia da presente ação, conforme dito, conduz à conclusão da completude do quorum para funcionamento do Tribunal Pleno, e, por conseqüência, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, deve-se concluir pelo respeito ao princípio constitucional do juiz natural.

Veja-se o seguinte precedente do STJ:

3. Prevendo o Regimento Interno do Tribunal de Justiça Estadual, vigente à época do julgamento do paciente, de que era necessária a presença de pelo menos dois terços de seus membros na sessão de julgamento, viola o princípio do juiz natural quando o referido quorum é completado com juízes de primeiro grau convocados.” (STJ – 6ª Turma, HC nº. 88.739/BA, Rel. Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), j. 15/06/2010, DJe 30/08/2010) (grifo ausente no original)

Do exposto, rejeita-se a preliminar de nulidade levantada pela defesa.

Passa-se, agora, à análise da matéria de mérito da resposta à acusação, para efeito de cumprimento do disposto no art. 397 do CPP, que possui o teor abaixo reproduzido:

Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente.

Segundo a queixa-crime, em síntese, no dia 19/05/2006, o Juiz de Direito querelado enviou mensagem de e-mail para o MM. Juiz Federal Dr. Sérgio Renato Tejada Garcia, Secretário Geral do Conselho Nacional de Justiça, cujo conteúdo continha – afirma-se – ofensas à honra objetiva e subjetiva dos querelantes.

Também conforme a peça acusatória inicial privada, o Juiz de Direito querelado, referindo-se ao Desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra, afirmou que existia “duplo comando no TJ e interferência expressa de um desembargador na nomeação de pessoas para cargos de alto escalão”, também referindo, como exemplo, que “um ex-assessor deste Desembargador que já foi presidente do TJ e atualmente é Pres. Do TRE” ocupava “o cargo de Superintendente do IPRAJ, a autarquia do Poder Judiciário que cuida de todo o orçamento, planejamento e investimentos” (fl. 03).

Além disso, no mencionado e-mail, consta afirmação atribuída ao querelado, de que “há notícias seguras de que o Des. Cintra bateu o carro oficial, ele próprio dirigindo embriagado, em carro dirigido por Delegado da Polícia Federal”.

Registra-se, na queixa-crime, por fim, como de autoria do querelado a afirmação de que “esse atual Superintendente, Manoel Vitorio da Silva Filho, na gestão 2002/2003 ocupou o cargo de Chefe da ASPLAN do TJ e foi glosado pelo Ministério da Justiça por não haver prestado contas de verba de convênio, algo em torno de R$ 200.000,00 e quando findou a gestão tentaram colocar ele em um cargo na AMAB (associação local) mas foi rejeitado porque na época ocupava um cargo de Conselheiro e botei a boca no trombone e o mesmo foi recusado na nossa associação” (fl. 03).

Por tais fatos, imputou-se ao Juiz de Direito querelado Dr. Maurício Andrade de Salles Brasil, quanto ao Desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra, a prática do crime de injúria, com causa especial de aumento de pena (art. 140, caput c/c art. 141, II, ambos do CP), e, quanto ao Sr. Manoel Vitório da Silva Filho, a prática dos crimes de injúria e difamação, este, também, com causa especial de aumento de pena (arts. 139,caput e 140, caput c/c art. 141, II, todos do CP).

Os referidos dispositivos legais possuem o seguinte teor:

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: […] II - contra funcionário público, em razão de suas funções;

Ao exame dos autos, constata-se o aperfeiçoamento de prescrição da pretensão punitiva quanto aos crimes de injúria majorada, atraindo a incidência do art. 397, IV do CPP, com alterações da Lei nº. 11.719/08, onde consta que, “Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: […] IV - extinta a punibilidade do agente.

Tendo em vista a pena máxima abstratamente cominada ao mencionado delito de injúria majorada, de 8 (oito) meses de detenção (seis meses mais um terço), constata-se que o respectivo prazo prescricional é de 2 (dois) anos, conforme a antiga redação do art. 109, VI do CP. Logo, partindo-se da data do recebimento da denúncia, em 23/11/2007 (fl. 200), aperfeiçoou-se a prescrição da pretensão punitiva em 22/11/2009, contado o prazo extintivo na forma do artigo 10 do CP.

Aplica-se ao caso a disposição do art. 61, caput do CPP, onde consta que “Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício.

Quanto ao delito de difamação, com causa de aumento de pena, verifica-se a existência de causa de exclusão de ilicitude, correspondente ao exercício regular de direito, prevista no art. 23, III, parte final, do CP, fato que conduz à hipótese do art. 397, I do CPP, com alterações da Lei nº. 11.719/08, cuja leitura revela que, “Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; […].

A análise do teor da queixa-crime e dos documentos que a instruem, e, bem assim, das considerações desenvolvidas na resposta à acusação e respectivas peças instrutórias, revela, pois evidente, que o fato imputado ao Juiz de Direito querelado, Dr. Maurício Andrade de Salles Brasil, corresponde, na verdade, ao válido exercício do direito constitucional de petição, previsto no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea a, da Constituição Federal, onde consta que “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

A essa conclusão, chega-se, como dito, mediante a análise das circunstâncias que envolveram o fato em tela.

O Juiz de Direito querelado exerce atividade de representação de classe junto à magistratura do Estado da Bahia, e, na qualidade de representante da Associação Juízes para a Democracia, participou de reunião com membros do Conselho Nacional de Justiça, a respeito de procedimento instaurado para apuração dos fatos que constituem objeto da queixa-crime. Veja-se, nesse sentido, trecho de ofício datado de 04/09/2006, subscrito por Dr. Marcelo Semer, Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia, e endereçado à Conselheira Dra. Ruth Lies Sholte de Carvalho, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ):

Como é de conhecimento dos Senhores Conselheiros, a Associação Juízes para a Democracia jamais foi refratária à idéia de controle externo do Poder Judiciário, de modo que tem procurado trazer a este Conselho Nacional de Justiça algumas preocupações que traduzem os princípios da moralidade administrativa, da democratização interna do Poder, e do efetivo cumprimento dos predicados da independência do Juiz, todos nossos objetivos estatutários. […] É nesse sentido que indicamos o juiz Maurício de Andrade Salles Brasil para que acompanhasse a visita promovida por Conselheiros deste órgão ao Poder Judiciário do Estado da Bahia. Era nosso intuito contribuir para a apuração de eventuais irregularidades, de modo a participar, como vimos participando, do processo de democratização e modernização do Poder Judiciário.” (fls. 89/90)

O conteúdo da mensagem de e-mail enviada pelo Juiz de Direito querelado, em 19/05/2006, ao então Secretário-Geral do CNJ, Dr. Sérgio Tejada Garcia, demonstra, do mesmo modo, que as informações noticiadas encontravam-se estritamente relacionadas à mencionada reunião. A mensagem recebeu o título de “Reunião com CNJ”, e, no preâmbulo da correspondência eletrônica, escreveu o querelado o seguinte:

Caro Sérgio, Transmiti ao nosso Presidente da AJD os pontos que foram conversados com os membros do CNJ e fiz essa síntese que poderá servir aos trabalhos internos da comissão que inspeciona a Bahia.” (fl. 09)

Essa mensagem foi redirecionada aos demais Conselheiros do CNJ pelo Conselheiro-Geral em 19/05/2006, com a redação abaixo transcrita:

Senhores Conselheiros, em especial os membros da Comissão “Bahia”. Reenvio e-mail que recebi sobre o tema.

Tais circunstâncias afastam quaisquer dúvidas a respeito da natureza da conduta imputada ao Juiz de Direito querelado, porque absolutamente vinculada à sua atuação de representante de classe, no sentido de contribuir com o Conselho Nacional de Justiça para a apuração de fatos, que, inclusive, já eram alvo de procedimentos investigatórios por parte daquele eminente órgão correicional. É por bem enfatizar, embora de amplo conhecimento, que o CNJ recebeu, da Constituição Federal, outorga de competência para “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competênci a disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa” (art. 103-B, § 4º, III da Constituição Federal, redação dada pela Emenda Constitucional nº. 61/2009).

Os autos ainda evidenciam que a comunicação enviada pelo Juiz de Direito querelado chegou, efetivamente, ao órgão competente do Conselho Nacional de Justiça, fazendo parte do relatório lavrado pela Conselheira Dra. Ruth Lies Sholte de Carvalho, no “Pedido de Providências nº. 76/Conexo PP nº. 217”, merecendo registro referência feita à “Correspondência eletrônica endereçada ao Secretário-Geral do CNJ Dr. Sérgio Tejada, e repassada aos demais Conselheiros, [que] reforça muitas das denúncias relatadas e noticia que o Desembargador Dultra Cintra bateu o carro oficial que dirigia embriagado, em veículo conduzido por Delegado da Polícia Federal, fato que o Tribunal de Justiça da Bahia abafou.” (fl. 101) En fatize-se, por oportuno, que, dentre as determinações da nobre Conselheira, consta seu “voto pela remessa do presente procedimento à Corregedoria Nacional de Justiça que, nos termos dos artigos 31 e seguintes do Regimento Interno desta Casa, deverá instaurar sindicância para apurar todos os fatos e propor a abertura de Procedimento Administrativo Disciplinar nos casos que indicar.” (fls. 101/102)

Nesse contexto, a conduta imputada ao Juiz de Direito querelado amolda-se, perfeitamente, à disposição do art. 23, III, parte final do Código Penal, onde consta que “Não há crime quando o agente pratica o fato: […] III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Merecem menção, aqui, os esclarecimentos do Professor Cezar Roberto Bitencourt, no sentido de que “O exercício de um direito, desde que regular, não pode ser, ao mesmo tempo, proibido pela ordem jurídica. Regular será o exercício que se contiver dentro dos limites objetivos e subjetivos, formais e materiais impostos pelos próprios fins do Direito” (Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I, 14ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 348).

A comunicação endereçada ao Conselho Nacional de Justiça – detentor de competência constitucional para atos de correição –, por parte de Juiz de Direito que exerce atividades de representação de classe, fornecendo notícias de supostos fatos ilícitos já em apuração por aquele órgão, está muito longe de constituir atividade criminosa, ou seja, não desejada pelo ordenamento jurídico.

A defesa preliminar revela síntese significativa dos fatos analisados:

Conclui-se, pois, 'in statu assertionis', que o querelado exerceu, com fundamento na cidadania (art. 1º, II, da CF), o direito constitucional de petição (art. 5º, XXXIV, “a”, da CF), perante o órgão competente (art. 103-B, § 4º, III, da CF), qual seja o Conselho Nacional de Justiça, objetivando não ofender a honra dos querelantes, mas para que fossem apuradas graves irregularidades na administração judiciária na Bahia, que, aliás, já estava sendo objeto de sindicância pelo mesmo órgão. Tratou-se, pois, a correspondência eletrônica de manifestação de liberdade de expressão, prevista no art. 5º, IV, da CF, necessária para a veiculação de um autêntico direito de petição, que detém caráter informal, e que se encontra vinculado às prerrogativas democráticas para a defesa do interesse público, a corrigir ilegalidades e a busos de direito” (fl. 60).

EM CONCLUSÃO:

Constatada a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva do Estado, em relação ao crime de injúria majorada do art. 140, caput c/c art. 141, II, do CP, declara-se extinta a punibilidade do Juiz de Direito querelado com fundamento no art. 61 do CPP. Ressalte-se que, mesmo sendo matéria de ordem pública, o legislador incluiu a extinção da punibilidade como uma das causas de absolvição sumária do art. 397 do CPP, o que não é demais, uma vez que favorece duplamente a pessoa acusada de infração penal prescrita, extinguindo a punibilidade e absolvendo sumariamente, em consequência. Quanto à imputação do crime de difamação com causa de aumento de pena, verifica-se a ocorr ência de exercício regular de direito, previsto no art. 23, III, parte final, do CP, fazendo incidir, igualmente, o instituto da absolvição sumária, na forma do artigo 397, inciso I do Código de Processo Penal, com alterações da Lei nº. 11.719/08, onde consta que, “Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; […]”.

Do exposto, e com fundamento no art. 397, I e IV, do CPP, absolve-se sumariamente o Juiz de Direito querelado, Dr. Maurício de Andrade Salles Brasil, pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, quanto aos delitos de injúria majorada (art. 140, caput c/c art. 141, II, ambos do CP), bem como pela existência manifesta de causa de exclusão de ilicitude do fato, quanto ao crime de difamação com causa especial de aumento de pena (art. 139, caput c/c art. 141, II, todos do CP).

Publique-se, inclusive para efeito de intimação.

Salvador, 23 de maio de 2011.

Desa. IVETE CALDAS SILVA FREITAS MUNIZ
Relatora
 
 
 

sexta-feira, 20 de maio de 2011

De Nobel a Nobel: Carta aberta de Pérez Esquivel a Obama

Adolfo Pérez Esquivel*

Prezado Barack:

Ao te dirigir esta carta, faço-o fraternalmente e também para expressar a preocupação e a indignação de ver como a destruição e a morte semeadas em vários países, em nome da liberdade e da democracia, das palavras prostituídas e vazias de conteúdo, terminam justificando o assassinato, que é festejado como se fosse um acontecimento esportivo.

Indignação pela atitude de setores da população dos Estados Unidos, de chefes de Estado europeus e de outros países que vieram apoiar o assassinato de Bin Laden, ordenado por teu governo e tua complacência em nome de uma suposta justiça.

Não procuraram detê-lo e julgá-lo pelos crimes supostamente cometidos, o que gera maior dúvida; o objetivo foi assassiná-lo.

Os mortos não falam e, ante o medo de que o justiçado possa dizer coisas não convenientes para os Estados Unidos, a saída foi o assassinato e assegurar que, morto o cão, tenha acabado a raiva, sem levar em conta que não fazem outra coisa senão incrementá-la.

Quando recebestes o Prêmio Nobel da Paz, do qual somos depositários, te enviei uma carta que dizia: Barack, me surpreendeu muito que te tenham outorgado o Nobel da Paz, mas agora que o tens deves colocá-lo a serviço da paz entre os povos; tens toda a possibilidade de fazê-lo, de terminar as guerras e começar a reverter a grave situação em que o teu país e o mundo estão vivendo.

Contudo, incrementastes o ódio e traístes os princípios assumidos na campanha eleitoral ante teu povo, como por fim às guerras no Afeganistão e no Iraque e fechar as prisões de Guantánamo, em Cuba; e de Abu Graib, no Iraque. Nada disso conseguistes fazer; pelo contrário, decides começar outra guerra contra a Líbia, apoiada pela OTAN e pela vergonhosa resolução das Nações Unidas de apoiá-la; quando esse alto organismo, diminuído e sem pensamento próprio, perdeu o rumo e está submetido às veleidades e interesses das potências dominantes.

A base da fundação da ONU é a defensa e promoção da paz e dignidade entre os povos. Seu preâmbulo diz: "Nós, os povos do mundo…”, hoje ausentes desse alto organismo.

Quero recordar um místico e mestre que tem, em minha vida, uma grande influência: o monge trapense da Abadia de Getsemani, no Kentucky, Tomás Merton, que disse: A maior necessidade do nosso tempo é limpar a enorme massa de lixo mental e emocional que está em nossas mentes e que converte toda a vida política e social em uma enfermidade de massas. Sem esta limpeza doméstica não podemos começar a ver. Se não vemos, não podemos pensar.

Eras muito jovem, Barack, durante a Guerra de Vietnam; talvez não te recordes da luta do povo norte-americano para se opor à guerra.

Os mortos, feridos e mutilados no Vietnam até o dia de hoje sofrem as suas consequências.
Tomás Merton dizia, frente a um carimbo de carta que acabava de chegar, The U.S. Army, key to peace, O exército estadunidense, chave da paz: nenhum exército é a chave da paz.

Nenhuma nação tem a chave de nada que não seja a guerra. O poder não tem nada a ver com a paz. Quando mais os homens aumentam o poder militar, mais violam a paz e a destroem.
Convivi e acompanhei os veteranos de guerra de Vietnam, em particular Brian Wilson e seus companheiros, que foram vítimas dessa guerra e de todas as guerras.

A vida tem esse ‘não sei quê’ de imprevisto e surpreendente, da fragrância e beleza que Deus nos deu para toda a humanidade e que devemos proteger para deixar as gerações futuras uma vida mais justa e fraterna; restabelecer o equilíbrio com a Mãe Terra.

Se não reagirmos para mudar a situação atual da soberba suicida, arrastando os povos aos profundos meandros onde morre a esperança, será difícil sair e ver a luz. A humanidade merece um destino melhor.

Sabes que a esperança é como o loto que cresce na lama e floresce em todo esplendor, mostrando toda a beleza. Leopoldo Marechal, o grande escritor argentino, dizia que, do labirinto se sai por cima.

E creio, Barack, que depois de seguir a tua rota equivocando caminhos, te encontras em um labirinto sem poder encontrar a saída e te enterras mais e mais na violência, na incerteza, devorado pelo poder da dominação, arrastado pelas grandes empresas, pelo complexo industrial militar, e crês ter o poder que tudo pode e que o mundo está aos pés dos Estados Unidos porque impõem pela força das armas, e invadem países com total impunidade. É uma realidade dolorosa; mas, também, existe a resistência dos povos que não claudicam frente aos poderosos.

São tão grandes as atrocidades cometidas por teu país no mundo que daria tema para muito, é um desafio para os historiadores que terão que investigar e saber dos comportamentos, da política, da grandeza e da pequenez que levaram os Estados Unidos à monocultura das mentes que não lhes permite ver outras realidades.

Bin Laden, suposto autor ideológico do ataque às Torres Gêmeas, é identificado como o Satã encarnado que aterrorizava o mundo e a propaganda do teu governo o assinalava como o eixo do mal, o que serviu para declarar as guerras desejadas de que o complexo industrial-militar necessita para colocar seus produtos de morte.

Sabes que investigadores do trágico 11 de Setembro assinalam que o atentado tem muito de "autogolpe”, como o avião contra o Pentágono e o esvaziamento anterior dos escritórios das Torres; atentado que deu motivo para desatar a guerra contra o Iraque e o Afeganistão e agora contra a Líbia; argumentando na mentira e na soberba do poder que tudo fazem para salvar o povo, em nome da "liberdade e defesa da democracia”, com o cinismo de dizer que a morte de mulheres e crianças são "danos colaterais”. Foi o que vivi no Iraque, em Bagdá, com os bombardeios à cidade e ao hospital pediátrico, e no refúgio de crianças que foram vítimas desses "danos colaterais”.

A palavra esvaziada de valores e de conteúdo, que te faz denominar de morte ao assassinato e dizer que, por fim, os Estados Unidos fizeram Bin Laden "morrer”. Não procuro justificá-lo sob nenhum conceito; sou contra todo terrorismo, tanto desses grupos armados, como do terrorismo de Estado que teu país exerce em diversas partes do mundo, apoiando ditadores, impondo bases militares e intervenções armadas, exercendo a violência para se manter, pelo terror, no eixo do poder mundial. Há um só eixo do mal? Como o chamarias?

Será por esse motivo que o povo dos Estados Unidos vive com tanto medo das represálias daqueles que chamam de "eixo do mal”? O simplismo e a hipocrisia de justificar o injustificável.

A paz é uma dinâmica de vida nas relações entre as pessoas e os povos; é um desafio à consciência da humanidade; seu caminho é trabalhoso, cotidiano e esperançador, onde os povos são construtores da sua própria vida e da sua própria historia. A paz não se presenteia; ela é construída e isso é o que te falta, rapaz: coragem para assumir a responsabilidade histórica com teu povo e a humanidade.

Não podes viver no labirinto do medo e da dominação daqueles que governam os Estados Unidos, desconhecendo os tratados internacionais, os pactos e protocolos, de governos que firmam, mas não ratificam nada e não cumprem nenhum dos acordos, mas falam em nome da liberdade e do direito.

Como podes falar da paz se não queres cumprir nada, salvo os interesses do teu país?

Como podes falar da liberdade quando tens nas cárceres prisioneiros inocentes, em Guantánamo, nos Estados Unidos, nas cárceres do Iraque, como no de Abu Graib, e no Afeganistão?

Como podes falar dos direitos humanos e da dignidade dos povos quando os violas permanentemente e bloqueias aqueles que não compartilham da tua ideologia e têm que suportar os maus-tratos?

Como podes enviar forças militares ao Haiti depois do devastador terremoto e não ajuda humanitária a esse povo sofrido?

Como podes falar de liberdade quando massacras os povos do Oriente Médio e propagas guerras e torturas, em conflitos intermináveis que tiram proveito de palestinos e israelenses?

Barack: olha para cima do teu labirinto, podes encontrar uma estrela que te guie, embora saibas que nunca poderás alcançá-la, como bem disse Eduardo Galeano.

Procura ser coerente entre o que dizes e fazes; é a única forma de não perder o rumo. É um desafio da vida.

O Nobel da Paz é um instrumento a serviço dos povos, nunca para a vaidade pessoal.

Desejo-te muita força e esperança, e esperamos que tenhas a coragem de corrigir o caminho e encontrar a sabedoria da paz.

[Tradução: Beth Melo].

*Adolfo Pérez Esquivel é um arquiteto, escultor e ativista de direitos humanos argentino, agraciado com o Nobel da  Paz de 1980.

Fonte:Adital