segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O REI NU E O ADOLESCENTE F.R.A.

Gerivaldo  Neiva*

O comentário abaixo foi postado
aqui no blog há mais de dois anos.
Naquela época, o adolescente F. estava sendo detido pela 10ª vez.
Há poucos dias, foi detido pela 17ª vez.
Passados mais de dois anos, parece que o comentário continua atual.
 O REI NU E O GAROTO F.

A Roupa Nova do Rei é uma fábula conhecida de todos. Foi escrita pelo dinamarquês Hans Christian Andersen e conta a história do rei que gastava todo o seu dinheiro em roupas novas. Sua diversão era exibir suas roupas para os súditos. Para cada hora ou evento, o rei tinha sempre uma novidade em forma de roupa. Dizia-se até que o rei passava mais tempo no seu quarto de vestir do que no gabinete de trabalho.
Pois bem, certa vez chegaram dois tecelões no palácio e gabavam-se de fabricar os mais lindos tecidos do mundo e ainda tinham a especialidade de parecer invisível às pessoas destituídas de inteligência ou àquelas que não estavam aptas para os cargos que ocupavam.
O resultado dessa estória é que os dois tecelões, depois de receberem muito dinheiro e linhas de ouro, fingiam fabricar um tecido enquanto enganavam a todos. Até mesmo os ministros do rei, temendo pelos empregos, afirmavam que estavam vendo o tecido e que era uma coisa estupenda.
É claro que o rei também não estava vendo tecido algum, mas não podia passar por pouco inteligente diante de seus ministros e conselheiros. O certo é que o rei admitiu vestir a roupa especial em um desfile e todos os seus súditos, que também queriam passar por inteligentes, elogiavam a roupa do rei.
Porém, uma criança que estava entre a multidão, em sua imensa inocência, achou aquilo tudo muito estranho e gritou:
- Coitado!!! Ele está completamente nu!! O rei está nu!!
O povo, então, enchendo-se de coragem, começou a gritar:
- Ele está nu! Ele está nu!
O rei, coitado, ficou muito envergonhado e passou muito tempo sem sair de seus aposentos, mas deixou de lado a vaidade. Os dois trapaceiros tentaram dar o mesmo golpe em outro reino, mas foram descobertos e presos.
Este é um breve resumo da fábula.
Vamos, agora, ao real.
No início deste ano, jornais e TVs do Brasil publicaram com estardalhaço o caso do garoto F., 12 anos, preso pela décima vez. Alguns lamentaram que, mesmo assim, absurdamente, F. não poderia ficar preso e seria liberado pelo Juiz.
Os jornais informaram que a ficha de F. é maior do que ele mesmo e seus crimes estão relacionados com “furto de veículo”, “dirigir sem permissão”, “furto à farmácia” e “desacato.”
A maioria dos leitores, comentando a notícia, defende que F. já é um bandido, que deve ser preso ou morto pela polícia, pois é irrecuperável. Outros fizeram a crônica de seu futuro: vai continuar roubando, vai ser internado e fugir, vai continuar roubando e matar algum cidadão de bem... até um dia ser morto pela polícia.
Certamente vai ser assim mesmo.
É difícil compreender, no entanto, que a história da vida de F. já é um grito:
- O rei está nu! Vocês todos estão nus! O “sistema” de vocês está nu!
Ele tem razão.
O simples fato de uma criança com 12 anos registrar 10 entradas em delegacias é o atestado definitivo da falência do sistema de proteção à criança e adolescente desse país! Não funcionou com F. e não funciona com milhões de outras crianças. Para eles não existem direitos fundamentais, nem Constituição Federal e nem Estatuto da Criança e do Adolescente.
E a sociedade brasileira, de outro lado, preocupada com sua própria roupa e suas vaidades, pensa que está vestida com um magnífico tecido e faz crer a todos, através dos “Jornais Nacionais” da televisão brasileira, que F. é uma excrescência, uma anormalidade que precisa ser varrida da vida social. Não adianta: vai um e surgem dezenas a cada dia...
E assim todos pensam que estão finamente vestidos: os legisladores elaboram cada vez mais leis rigorosas, o judiciário se esforça cada vez mais para cumprir as leis rigorosas e o executivo faz de conta que oferece as condições necessárias à proteção da infância pobre desse país.
O que não sabem e não querem saber, na verdade, é que estão todos nus e que o comportamento social de F., na verdade, é o mesmo grito da criança da fábula de Andersen:
- O rei está nu!
É preciso, por fim, que os Juízes de Direito, Promotores de Justiça, Delegados de Polícia, Conselheiros e quem mais quiser façam coro com ele:  
 - O sistema está nu!


domingo, 30 de janeiro de 2011

NO PRINCÍPIO ERA O VERBO

Reno Viana *

Hoje eu pretendia voltar a escrever neste Blog sobre cadeias, mas tive que mudar de ideia. A enorme repercussão entre os nossos leitores do poema Réu Confesso , de Luizão Ferraz, exigiu outro assunto.

O referido poema é uma obra-prima e de certa forma parece ser uma espécie de prefácio ao conteúdo deste Blog Liberdades Democráticas . As nossas postagens terão pela frente, assim, o grande desafio de corresponder à homenagem recebida.

Essa situação delicada em que nos encontramos mostra o perigo representado pelos prefácios.

O crítico literário Otto Maria Carpeaux escreveu um texto intitulado O artigo sobre os prefácios, que pode ser encontrado no segundo volume dos seus Ensaios reunidos, livro publicado pela Editora Topbooks em parceria com a UniverCidade. Segundo ele, na história da literatura ocidental o prefácio já teria sido justificativa, pedido de desculpa, desafio, manifesto, crítica, sentença, prólogo, epílogo e até mesmo epitáfio.

Esse tema nos faz lembrar novamente do jurista e sociólogo A. L. Machado Neto, cujo primeiro livro, em razão do respectivo prefácio, faz parte do folclore intelectual baiano. Lançado em 1952, quando o autor tinha apenas vinte e dois anos de idade, a primeira edição do livro Marx e Mannheim: dois aspectos da sociologia do conhecimento trazia uma longa introdução assinada pelo conceituado jurista Nelson de Sousa Sampaio (1914-1985). No meio jurídico baiano sempre se disse que esse prefácio era melhor do que o livro propriamente dito, escrito por um então iniciante. Esse fato teria ensejado inúmeras piadas, passando a se tornar folclórico. Curiosamente, na segunda edição do livro a longa introdução foi suprimida.

Depois que postei o texto Quando o direito mente , alguns leitores perguntaram por que eu insistia em falar sobre A.L. Machado Neto, se não era adepto das ideias que ele sustentava. Talvez o motivo não tenha ficado suficientemente claro naquela postagem. Então peço licença para esclarecer que, na perspectiva da sociologia jurídica, as ideias sustentadas nos textos deste Blog, de um modo geral, estarão fundamentadas em uma orientação que busca fugir das meras palavras, em busca de uma aproximação com os fatos reais. Teríamos assim uma espécie de diretriz sociológica: fatos, não palavras.

Assim, a obra de A.L. Machado Neto e também a de Nelson de Sousa Sampaio estariam situadas nessa perspectiva, no contexto evolutivo do nosso meio jurídico. Eles representariam um momento de transformação, em que gradualmente se tenta um afastamento do formalismo retórico do Direito tradicional, com o início entre nós de uma investigação sistemática da nossa realidade concreta. Não era à toa que o já mencionado primeiro livro de A.L. Machado Neto trazia no próprio título uma ousada e explícita referência ao nome de Karl Marx. Em semelhante panorama estaria a vasta obra de Nelson de Sousa Sampaio, com destaque para os livros A desumanização da política, de 1951, e O diálogo democrático na Bahia, de 1960.

Como se sabe, essa evolução das palavras em direção aos fatos encontra uma similitude até na própria mística cristã trazida pela Bíblia Sagrada. Está lá, no Evangelho segundo São João, em seu capítulo primeiro, que “no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. Falando sobre a pessoa de Jesus Cristo, em sua historicidade factual e concreta, o mesmo São João acrescenta: “e o Verbo se fez carne, e habitou entre nós”.

Essa diretriz que apontamos, entretanto, não pode ser tratada de forma inflexível e dogmática. Existem matizes, evidentemente. O poema Réu Confesso , de Luizão Ferraz, por exemplo, embora coerente com os ideais que sustentamos aqui, trata-se de um genial jogo de palavras, cuja polissemia intrínseca admite inúmeras interpretações para os seus versos.

Enfim, nós teremos que nos empenhar com muito brio para estar à altura do nosso prefácio.

Além disso, outro aspecto a considerar é que a nossa Associação Juízes para a Democracia, inspiradora do nosso trabalho, está se transformando em uma autêntica associação de juízes blogueiros.  No sertão da Bahia, temos o grande mestre juiz Gerivaldo Neiva . No Rio Grande do Norte, o genial juiz Rosivaldo Toscano Jr . Em Santa Catarina, o admirável juiz Alexandre Morais da Rosa . Em São Paulo, o juiz e romancista Marcelo Semer , além do juiz e filósofo Alberto Muñoz . Em todo o Brasil, outros tantos colegas juízes difundindo essa iniciativa.     

O Blog Liberdades Democráticas terá que se esforçar muito para estar à altura dos seus congêneres e, mantendo-se fiel à sua diretriz sociológica, atender às expectativas do seu público.


* Reno Viana é Juiz de Direito na Bahia e membro da Associação Juízes para a Democracia.


NELSON DE SOUSA SAMPAIO (1914-1985)

sábado, 29 de janeiro de 2011

A HISTÓRIA DA ESTUDANTE SÔNIA MARIA DE MORAES ANGEL JONES

Alberto Muñoz

Há os que dizem que se tratava de uma guerra e justificam a legitimidade da Lei da Anistia como meio para “pacificar” o País. Segundo eles, a lei trataria igualmente os dois “lados”. Para a reflexão, postei uma carta que me foi enviada por e-mail pelo juiz baiano Maurício Brasil. Conta a história de uma moça de 27 anos (sim, uma menina de 27 anos!): Sônia Maria de Moraes Angel Jones, torturada e morta durante o Regime Militar. Depois da leitura, cabe meditar sobre a suposta igualdade entre os que editaram a Lei da Anistia e os “inimigos do regime” que “também” teriam sido beneficiados por ela. Leiam e meditem. Um país não é só geografia; é principalmente história, e sua memória deve servir para que ela não se repita.


A estudante de 27 anos Sônia Maria Jones
 

Militante da Ação Libertadora Nacional - ALN.
Nasceu em 9 de novembro de 1946, em Santiago do Boqueirão, Estado do Rio Grande do Sul, filha de João Luiz Moraes e Cléa Lopes de Moraes.
Foi morta aos 27 anos em 1973, em São Paulo.

Estudou no colégio de Aplicação da antiga Faculdade Nacional de Filosofia e, posteriormente, na Faculdade de Economia e Administração da UFRJ, mas não chegou a se formar, sendo desligada pelo Decreto nº477, de 24 de setembro de 1969.
No Rio, trabalhava como professora de Português no Curso Goiás.
Casou-se, em 18 de agosto de 1968, com Stuart Edgar Angel Jones, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
Em 1° de Maio de 1969, foi presa por ocasião das manifestações de rua na Praça Tiradentes/RJ com mais três estudantes, levada para o DOPS e, posteriormente, para o Presídio Feminino São Judas Tadeu. Somente foi libertada em 6 de agosto de 1969, quando foi julgada e absolvida por unanimidade pelo Superior Tribunal Militar. Passou a viver na clandestinidade.
Em maio de 1970 exilou-se na França, onde se matriculou na Universidade de Vincennes e, para se sustentar, trabalhou na Escola de Línguas Berlitz, em Paris, onde lecionava Português.
Com a prisão e desaparecimento de Stuart pelos órgãos brasileiros de repressão política, Sônia decidiu voltar ao Brasil para retomar a luta de resistência. Ingressou na ALN e viajou para o Chile, onde trabalhava como fotógrafa. Posteriormente, em maio de 1973, retornou clandestinamente ao Brasil, indo morar em São Paulo. Em 15 de novembro de 1973 alugou um apartamento em São Vicente, junto com Antônio Carlos Bicalho Lana, com quem se unira. Seu apartamento passou a ser vigiado, sendo presa, juntamente com Antônio Carlos, no mesmo mês, por agentes do DOI-CODI/SP, tendo o II Exército divulgado a notícia de que morrera, após combate, a caminho do hospital (O globo 1º de dezembro de 1973).
Foi assassinada sob torturas no dia 30 de novembro de 1973, juntamente com Antônio Carlos Bicalho Lana.
A autópsia assinada pelos legistas Harry Shibata e Antônio Valentine, apenas descreve as perfurações das balas, sem nada mencionar das torturas sofridas. Afirmam que o crânio sofreu corte característico da autópsia e que examinaram detidamente o corpo.
Durante quase vinte anos a família investigou os fatos relacionados à prisão, tortura e assassinato de Sônia e Antônio Carlos.
Como resultado dessas investigações, a família produziu o vídeo “Sônia Morta e Viva”, dirigido por Sérgio Waismann.
A prisão do casal, em São Vicente, foi detalhadamente planejada, como constatou sua família, durante as investigações junto aos empregados do prédio em que Sônia e Antônio Carlos moravam. Ela costumava, assim que se mudou, tomar banho de sol numa prainha ligada ao prédio e, desde então era observada de um prédio próximo por agentes policiais, através de uma luneta. Dias depois, os mesmos agentes comunicaram aos empregados do prédio que moravam ali dois terroristas muito perigosos e para justificar tal afirmativa “empregaram-se” como funcionários do prédio e passaram a observá-los mais de perto. Certa manhã, bem cedo, quando Antônio Carlos e Sônia pegaram o ônibus da Empresa Zefir, já havia dentro do ônibus alguns agentes, inclusive uma senhora vestida de vermelho. Ao mesmo tempo, nas imediações da agência do Canal 1, São Vicente, já se encontravam vários agentes à espera de que um deles, pelo menos, descesse para adquirir passagens, pois as mesmas não eram vendidas no ônibus. Até hoje, a família não pôde precisar o dia exato da prisão, possivelmente num sábado, depois do dia 15 de novembro, fato este testemunhado por Celso Pimenta, motorista do ônibus, e Ozéas de Oliveira, vendedor de bilhetes, ambos da Agência Zefir.
Existem duas versões a respeito da prisão, tortura e assassinato de Sônia e Antônio Carlos.
A versão do primo do pai de Sônia, coronel Canrobert Lopes da Costa, ex-comandante do DOI-CODI de Brasília, amigo pessoal do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-CODI de São Paulo: depois de presa, do DOI-CODI de São Paulo foi mandada para o DOI-CODI do Rio de Janeiro, onde foi torturada, estuprada com um cassetete e mandada de volta a São Paulo, já exangüe, onde recebeu dois tiros.
A versão do Sargento Marival Chaves, membro deo DOI-CODI/SP: Sônia e Antônio Carlos foram presos e levados para uma casa de tortura na Zona Sul de São Paulo onde ficaram de cinco a dez dias, até morrerem, dia 30 de novembro de 73 e foram colocados, no mesmo dia, à porta do DOI-CODI/SP, para servir de exemplo. Ao mesmo tempo, foi montado um “teatrinho” – termo usado pelo sargento – para justificar a versão oficial de que foram mortos em conseqüência de tiroteio, no mesmo dia 30 (metralharam com tiros de festim um casal e os colocaram imediatamente num carro).
Versão oficial publicada dia 1° de dezembro de 1973 em dois jornais: “O Globo” e “O Estado de São Paulo”: Morte de Sônia e Antônio Carlos, a caminho do Hospital, após tiroteio em confronto com os agentes de segurança, na Avenida de Pinedo, no Bairro de Santo Amaro, cidade de São Paulo, altura do n° 836, às 15 horas.
No arquivo do antigo DOPS/SP foi encontrado um documento da Polícia Civil de São Paulo-Divisão de Informações CPI/DOPS/SP que diz: “Consta arquivado nesta divisão uma cópia xerográfica do Laudo de Exame Necroscópico referente à epigrafada com data de 20 de novembro de 1973.” (Teve o laudo assinado antes de morrer?).
Apesar de haverem identificado Sônia Maria, os seus assassinos enterraram-na, como indigente, no Cemitério Dom Bosco, em Perús, sob o nome de Esmeralda Siqueira Aguiar. A troca proposital do nome de Sônia, demonstra a clara tentativa dos órgãos de repressão em esconder seu cadáver. A família de Sônia conseguiu obter através de processo de número 1483/79 na 1ª Vara Civil de São Paulo, a correção de identidade e retificação do Registro de Óbito.
Oficialmente morta, a família pôde transladar seus restos mortais para o Rio de Janeiro, em 1981.
Em 1982, na tentativa de apuração das reais circunstâncias da morte de Sônia, através de processo movido contra Harry Shibata, médico do IML/SP que atesta sua morte (inclusive assinando o atestado de óbito sob o nome falso e o laudo com nome verdadeiro), o IML/RJ constatou que os ossos entregues à família, enterrados no Rio de Janeiro, eram de um homem.
Para sepultar dignamente os restos mortais de Sônia, a família teve que fazer várias exumações, que chegaram a seis. A última exumação apresentava um crânio, sem o corte característico de autópsia e a família não aceitou os restos mortais, por desconfiar que seria mais um engano do Instituto Médico Legal de S. Paulo.
Em um de seus depoimentos à CPI realizada na Câmara Municipal de S. Paulo, Harry Shibata declarou que a descrição feita no laudo necroscópico de que houve corte de crânio, não corresponde à verdade, uma vez que essa descrição é apenas uma questão de praxe. Assim declarando, assumiu a farsa com que eram feitos os laudos.
Após serem identificados pela UNICAMP, seu restos mortais, finalmente, foram trasladados para o Rio de Janeiro no dia 11 de agosto de 1991.
De seu pai, o Tenente-Coronel da Reserva do Exército Brasileiro e professor de matemática, João Luiz de Morais:
“Sônia Maria Lopes de Moraes, minha filha, teve seu nome mudado após o seu casamento com Stuart Edgar Angel Jones, para Sônia Maria de Moraes Angel Jones. Ambos foram torturados e assassinados por agentes da repressão política, ele em 1971 e ela em 1973. Minha filha foi morta nas dependências do Exército Brasileiro, enquanto seu marido Stuart Edgar Angel Jones foi morto nas dependências da Aeronáutica do Brasil.Tenho conhecimento de que, nas dependências do DOI-CODI do I Exército, minha filha foi torturada durante 48 horas, culminando estas torturas com a introdução de um cassetete da Polícia do Exército em seus órgãos genitais, que provocou hemorragia interna.
Após estas torturas, minha filha foi conduzida para as dependências do DOI-CODI do II Exército, local em que novas torturas lhe foram aplicadas, inclusive com arrancamento de seus seios. Seu corpo ficou mutilado de tal forma, a ponto de um general em São Paulo ter ficado tão revoltado, tendo arrancado suas insígnias e as atirado sobre a mesa do Comandante do II Exército, tendo sido punido por esse ato. Procedi a várias investigações em São Paulo, visando a aferição desses fatos, inclusive tentando manter contato, porém sem êxito, com esse General, tendo tido notícia de que o mesmo sofrera derrame cerebral, estava passando mal e de que sua família se opunha a qualquer contato e a qualquer referência aos fatos relativos a Sônia Maria.
As informações sobre as torturas, o estupro, o arrancamento dos seios de Sônia Maria e os tiros, me foram prestadas pessoalmente pelo coronel Canrobert Lopes da Costa e pelo advogado Dr. José Luiz Sobral. Minha filha, em sua militância política, utilizava o nome de Esmeralda Siqueira Aguiar. Em 1° de dezembro de 1973, ao ler no Jornal “O Globo” vi uma notícia sobre Esmeralda Siqueira Aguiar. Viajei imediatamente em companhia de minha mulher Cléa, de minha cunhada Edy, de minha outra filha, Ângela, e de meu futuro genro, Sérgio, para a cidade de São Vicente, dirigindo-me diretamente para a Rua Saldanha da Gama, 163, apto. 301, local onde residia Sônia Maria. Ao chegar a esse local, à noite, encontrei-o ocupado por alguns homens, em torno de 5 (cinco) ao que me recordo, membros das Forças da Segurança. Ao me recusar entregar minha carteira de identidade, cheguei a ser agredido. Após ter sido agredido, ameaçado de ser atirado do 3°andar e de ser metralhado por esses homens, consegui comunicar-me com o superior-de-dia do II Exército, em São Paulo, quando então, após identificar-me como Tenente-Coronel, consegui deste uma determinação por telefone diretamente a um dos 5 membros das Forças da Segurança, que me libertassem, mediante o compromisso de dirigir-me para um hotel em São Paulo, onde fiquei juntamente com minha mulher à disposição do II Exército e no dia seguinte prestei depoimentos no DOI-CODI.
Durante esse depoimento, indaguei aos interrogadores a respeito do paradeiro do corpo de minha filha, sendo que um destes respondeu que o corpo só poderia ser visto com a autorização do Comandante do II Exército.
Na tarde desse mesmo dia, viajei para o Rio de Janeiro em companhia de minha mulher para conversar com meu amigo, General Décio Palmeiro Escobar, Chefe do Estado Maior do Exército, já falecido, o qual me deu uma carta para ser entregue ao General Humberto de Souza Mello, carta essa em que o General Décio pedia “ao ilustre companheiro e amigo” que me liberasse, assim como minha mulher, de São Paulo, pois necessitávamos permanecer no Rio, onde dirigíamos um Colégio, bem como fosse liberado o corpo de Sônia para um sepultamento cristão.
Regressando a São Paulo em companhia de minha mulher, no dia seguinte, dirigi-me ao Quartel do II Exército para entregar a mencionada carta, sendo certo que o General Humberto não quis receber-me, e a carta foi levada pelo então Coronel Hugo Flávio Lima da Rocha, que, ao voltar do gabinete do General, deu a seguinte resposta: “o General manda te dizer que, por causa desta carta, você está preso a partir deste momento” e, como seu velho companheiro de Realengo, faço questão de, pessoalmente, levá-lo para o Batalhão da Polícia do Exército. No Batalhão da Polícia do Exército, fiquei preso durante 4 (quatro) dias, vindo a ser liberado, sem maiores explicações mas com a recomendação de que “regressasse ao Rio, nada falasse, não pusesse advogado e aguardasse em casa o atestado de óbito de Sônia que seria remetido pelo II Exército e, quanto ao corpo, não poderia vê-lo pois havia sido sepultado”.
Somente decorridos muitos anos pude entender minha prisão, ou seja, naqueles dias Sônia Maria ainda estava viva e sendo torturada e, na medida em que era mantido preso, era possível evitar minha interferência, ao mesmo tempo que, com essa prisão, buscavam amedrontar toda a família.
Apesar do desespero, das ameaças e do conseqüente apavoramento, a família continuou insistindo em conhecer os detalhes sobre a morte de Sônia Maria e, nessa procura, o referido advogado, José Luiz Sobral, que se dizia amigo comum da família e do General Adir Fiúza de Castro, então Comandante do DOI-CODI do Rio de Janeiro, prontificou-se em obter esclarecimentos diretamente com esse General. O Dr. José Luiz Sobral, ao retornar das dependências do DOI-CODI do I Exército, claudicava um pouco, e insinuava ‘ter levado umas cassetadas’, trazendo-me um presente inusitado: um cassetete da Polícia do Exército, mandado pessoalmente pelo General Fiúza para a família, com a recomendação que não falasse mais sobre o assunto, pois ‘todos estavam falando demais’.
Na ocasião, a família guardou o cassetete sem lhe dar maior importância e só recentemente, há uns 2 (dois) anos, é que pude fazer a interligação dos acontecimentos, ou seja, conclui estarrecido que o verdadeiro significado desse presente é que o mesmo General Fiúza nos enviava, como advertência, o próprio instrumento que provocara a morte de Sônia Maria. Este cassetete se encontra em meu poder, podendo ser apresentado a qualquer tempo.
A partir da morte de Sônia, todo final de semestre, nas Declarações de Herdeiros que prestava ao Ministério do Exército, colocava Sônia Maria Lopes de Moraes como minha herdeira, assinalando sempre que ‘presumivelmente morta pelas Forças de Segurança do II Exército, deixo de apresentar a certidão de óbito porque não me foi fornecida ainda pelo II Exército, conforme prometido’. Essas declarações causavam mal-estar entre os militares, tendo sido aconselhado pelo chefe da pagadoria do Exército a requerer a certidão diretamente ao Comandante do II Exército. Apresentado o requerimento, em setembro de 1978, recebi uma correspondência onde o General Dilermando Gomes Monteiro, então Comandante do II Exército, afirmava que ‘não cabe ao II Exército fornecer o atestado solicitado. No Cartório de Registro Civil do 20° Sub Distrito – Jardim América/SP, foi registrado o óbito de Esmeralda Siqueira Aguiar, filha de Renato A. Aguiar e de Lucia Lima Aguiar. O requerente procure o Cartório em causa, se assim o desejar.’ O documento acrescentava, ainda, que ‘mandara retirar do Cartório referido, por pessoa indiscriminada, uma certidão de óbito registrada, que fora fornecida sem qualquer problema’. A referida correspondência, subscrita pelo Comandante do II Exército, foi o primeiro reconhecimento oficial da morte de Sônia Maria. Apesar de ter requerido o atestado de óbito em nome de Sônia Maria Lopes de Moraes, a resposta do Comandante do II Exército foi a entrega de uma certidão de óbito em nome de Esmeralda Siqueira Aguiar. Tempos depois da entrega desse atestado de óbito, tomei conhecimento de um outro documento, ‘Auto de Exibição e Apreensão’, datado de 30 de novembro de 1973, em cujo verso há uma nota do DOI-CODI do II Exército, onde, no final, consta um ‘em tempo: material encontrado em poder de Esmeralda Siqueira Aguiar, cujo nome verdadeiro é Sônia Maria Lopes de Moraes.
No Cemitério de Perus, consegui encontrar o registro de sepultamento de Esmeralda Siqueira Aguiar, na Quadra 7, Gleba 2, Terreno 486, com algumas rasuras, em datas principalmente. Nessa oportunidade, os ossos de Sônia não podiam ser exumados porque estava sepultado na parte de cima um outro cadáver. Tivemos que aguardar ainda 3 (três) anos para a pretendida exumação, ocorrida em 16 de maio de 1981. Nessa ocasião reclamei das divergências existentes entre o que constava do laudo assinado pelos legistas Harry Shibata e Antônio Valentine e a realidade da ossada retirada, pois, ao contrário do que constava nesse laudo, o crânio que seria o de Sônia não apresentava nenhum orifício de entrada ou saída de projétil de arma de fogo e estava inteiro. Apesar dessas discrepâncias, levamos os ossos para o Rio de Janeiro, sepultando-os no Cemitério Jardim da Saudade, mais precisamente no Lote 18874, Espaço B, Setor IV, e, durante um ano, todos os sábados, juntamente com minha mulher, ia ao Cemitério e levava flores em homenagem a minha filha.
Além da ação proposta na I Vara de Registros Públicos para retificação de identidade, intentamos outra na Auditoria Militar de São Paulo, pleiteando a abertura de IPM para averiguar as verdadeiras causas da morte de minha filha, bem como a falsidade da certidão e laudo assinados por Harry Shibata e Antonio Valentine. Esse processo, na Auditoria Militar, teve seu curso normal até que o Comandante da II Região Militar, General Alvir Souto se negou a cumprir determinação do Juiz para a abertura de IPM, alegando insuficiência de provas.
Nessa ocasião a Juíza Dra. Sheila de Albuquerque Bierrembach determinou a exumação dos restos mortais sepultados no Cemitério Jardim da Saudade, bem como o seu exame pelo IML do Rio de Janeiro, constatando esse Instituto que aquela ossada não pertencia a Sônia, mas sim a um homem, negro, de aproximadamente 33 anos de idade.
Diante do estranho resultado dessa última exumação, a mesma Juíza Sheila Bierrenbach determinou que se fizessem, no Cemitério de Perus, tantas exumações quantas fossem necessárias até serem encontrados os restos mortais de Sônia Maria. Nessa busca, participei juntamente com minha mulher, familiares e amigos ainda de mais 4 exumações nesse mesmo Cemitério de Perus. Terminada a última dessas exumações foi encontrada uma ossada, que poderia ser a de Sônia. Porém, o crânio encontrado também não estava seccionado e os orifícios de entrada e saída de projéteis não coincidiam inteiramente com o laudo. Não tínhamos então a ficha dentária de Sônia, que havia sido perdida por seu dentista no Rio de Janeiro, Dr. Lauro Sued. Não tínhamos elementos de convicção para aceitar aqueles restos mortais como sendo os de Sônia e, por isso, tentamos impugnar as conclusões do IML de São Paulo, apresentando 11 quesitos e 10 fotografias do crânio de Sônia quando esta tinha 11 anos de idade. A juíza, Dra. Sheila, finalmente, aceitou a conclusão do IML de São Paulo, no sentido de que aqueles eram, oficialmente, os restos mortais de Sônia Maria de Moraes Angel Jones.”


A carta acima me foi repassada pelo colega Maurício Brasil, da AJD – Associação Juízes para a Democracia. Provisoriamente, sua autoria permanece, como a morte de Sônia, incerta.

Fonte: Blog Razão Crítica (Alberto Muñoz)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

HUMAN RIGHTS WATCH: PRESSÃO POLÍTICA DEVE SER RESPOSTA À REPRESSÃO

Karol Assunção
 
O diálogo e a cooperação não podem substituir totalmente a pressão pública como instrumento de promoção e respeito aos direitos humanos. Essa é a principal conclusão do Relatório Mundial 2011, elaborado pela Human Rights Watch. De acordo com a organização internacional, muitos governos, ao invés de manifestarem-se com firmeza diante de líderes abusivos, preferem utilizar "métodos mais suaves como o ‘diálogo’ privado e a ‘cooperação’”.

Human Rights Watch acredita que a pressão internacional contra líderes abusivos pode, sim, contribuir para a promoção dos direitos humanos. Denúncias e condenações de abusos, fim da repressão como condição para ajuda militar ou assistência orçamentária, sanções específicas para abusadores particulares e solicitações de castigos para os responsáveis por violações são algumas formas de pressionar os governos repressivos a respeitarem os direitos humanos.

Entretanto, segundo o relatório, tal pressão não é uma prática tão utilizada pelos líderes mundiais. No lugar de pressionar os repressores, muitos preferem buscar o diálogo e a cooperação. "Com uma frequência inquietante, os governos com os que se poderia ter contado para gerar dita pressão a favor dos direitos humanos estão aceitando os argumentos e os subterfúgios dos governos repressivos e jogando a toalha”, destaca.


A organização não descarta completamente o diálogo e a cooperação. Ao contrário, ressalta a importância desses métodos na promoção e no respeito aos direitos humanos quando os governos já demonstraram interesse e vontade em acabar com as violações.

"O diálogo e a cooperação são importantes, mas o governo abusivo dever ser o responsável por demonstrar uma verdadeira vontade de melhorar. Na ausência de uma vontade política demonstrada, a pressão política deve ser a resposta predeterminada à repressão. É compreensível que os governos que violam gravemente os direitos humanos queiram socavar a opção da pressão pública por medo que se aplique também contra eles. No entanto, é vergonhoso que os governos que supostamente promovem os direitos humanos caiam no mesmo estratagema ou que o apóiem”, considera.

Para Human Rights Watch, o secretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, é um exemplo de líder que hesita em pressionar os governos repressores. Na visita que fez a China, de acordo com a organização de direitos humanos, Ki-moon não discutiu sobre os direitos humanos com o presidente Hu Jintao. Da mesma forma, não parabenizou nem pediu a liberdade de Liu Xiaobo, ativista chinês preso ganhador do Prêmio Nobel da Paz.

Por outro lado, o relatório destaca algumas pressões que parecem funcionar. O documento cita como exemplo a relação dos Estados Unidos com Egito. No ano passado, de acordo com o informe, a Casa Branca e o Departamento de Estado do país norte-americano condenaram os abusos, pediram a suspensão do estado de emergência no Egito e solicitaram eleições livres. "Estes chamamentos públicos contribuíram para a liberdade de várias centenas de presos políticos detidos em virtude do estado de emergência”, destaca.

O relatório completo está disponível em: http://www.hrw.org/en/node/95491

FONTE:Adital

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Novos paradigmas no uso da força policial

 
Archimedes Marques*
 
Com o objetivo de reduzir gradativamente os índices de letalidade nas ações empreendidas pelos agentes da força pública, o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República editaram recentemente a Portaria Interministerial nº 4.226, de 31 de dezembro de 2010, estabelecendo novas diretrizes sobre uso da força e de armas de fogo por parte das polícias da União, compostas pela Força Nacional de Segurança, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e agentes penitenciários federais.
 
A luz do texto não atinge as corporações estaduais e municipais, como as policiais civil e militar e as guardas civis, entretanto, nada obsta que os próprios Estados e Municípios usem do mesmo parâmetro para os seus agentes.

Dentre as principais mudanças na conduta policial está a proibição do agente da força pública atirar contra o cidadão que esteja em fuga, mesmo que este esteja armado. O disparo de arma contra veículos que tenham furado um bloqueio policial ou em blitz, igualmente está proibido. O ato de apontar arma de fogo durante uma abordagem na rua ou em veículos também deve ser bastante criteriosa.

Pela nova regulamentação, também estão proibidos os chamados tiros de advertência, quando o agente dispara para o alto a fim de controlar situações de conflito ou objetivando parar pessoas ou veículos em situações suspeitas.

O uso da força letal pela polícia só será considerado legal em caso de legítima defesa própria ou de terceiros.

De acordo com o texto da portaria, o uso da força deverá obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.

Os agentes policiais deverão portar pelo menos dois outros instrumentos de menor poder ofensivo como alternativa ao uso da arma de fogo. Para isso, o porte de armas não-letais como spray de gás de pimenta, bastões tonfa, coletes à prova de bala e pistolas TASER serão incentivadas para o uso freqüente em todas as policias do país.

Não-letais são as armas especificamente projetadas e utilizadas para incapacitar cidadãos em conflito com a polícia, minimizando fatalidades.

É bem verdade que as armas não-letais não têm probabilidade-zero de risco, ou seja, pode ocorrer mortes ou ferimentos permanentes nos confrontos com a polícia, em virtude principalmente do poder dos electrochoques paralisantes das armas TASER, entretanto, reduzem esta probabilidade se comparadas com as armas tradicionais que têm por objetivo a destruição física dos seus alvos.

A prática demonstra e comprova através das diversas ações policiais que a única arma não-letal capaz de instantaneamente paralisar um criminoso e que pode muito bem ser portada no cinturão de qualquer policial é a pistola TASER, razão pela qual, deve ser tal utensílio de trabalho o parâmetro principal do Ministério da Justiça em aquisição e maior distribuição dessa tão importante arma para toda a força policial brasileira.

Esta ação interministerial não visa retirar as armas de fogo dos policiais, afinal, o armamento letal ainda é insubstituível em determinados confrontos, por isso todos os nossos agentes deverão portar a sua arma normal para enfrentar o perigo maior e a arma especial TASER para os demais conflitos que assim possa utilizar desse artifício.

A portaria ainda prevê que os processos de seleção para ingresso nas forças de segurança pública terão de observar se os candidatos possuem o perfil psicológico necessário para lidar com situações de estresse e uso da força e arma de fogo. Os cursos de treinamento policial também terão a obrigação de incluir nos seus currículos conteúdos pertinentes a nova regra e relativos à proteção dos direitos humanos.

O texto da portaria foi baseado no Código de Conduta para Funcionários Responsáveis pela Aplicação das Leis, adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU), de 1979, e também nos princípios do uso da força e de arma de fogo na prevenção do crime e tratamento de delinqüentes, adotado no Congresso das Nações Unidas em Havana, capital de Cuba, em 1999.

Assim caminhamos para alcançar a tão almejada polícia cidadã que estabelece o elo de boas ações direcionado verdadeiramente a serviço da comunidade, ou seja, uma polícia em defesa do cidadão e não ao combate ao cidadão.

Entretanto, apesar do avanço das medidas não podemos esquecer que a segurança pública pressupõe a existência de uma estrutura alicerçada em quatro pilares tão básicos quanto necessários: excelente salário, excelente equipamento, excelente treinamento e excelente Corregedoria de polícia, tudo em busca da sonhada polícia de excelência.

No item principal desse pilar, a PEC 300 que busca dentre outras melhorias, o piso salarial nacional, um salário digno para a polícia, se arrasta lentamente, sempre procrastinada, sem solução adequada ou aprovação definitiva no Congresso Nacional e até com proposta de inviabilização, dá a entender é que o poder público pretende continuar com uma polícia fraca, desvalorizada, desmotivada, desacreditada, submissa, esvaziada, humilhada, falida.


* Delegado de Polícia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica em Segurança Pública pela UFS
 

FONTE: ADITAL


domingo, 23 de janeiro de 2011

QUANDO O DIREITO MENTE

Reno Viana *

Chega a ser inacreditável o distanciamento que, no Brasil, o discurso jurídico tradicional sempre manteve em relação à realidade concreta do nosso país. Em determinadas situações a farsa é tão escandalosa que poderia ser caracterizada como uma deslavada mentira.

Esse alheamento, a meu ver, esteve evidenciado em recente episódio envolvendo o livro A.L. Machado Neto: o intelectual na província, lançado pela pesquisadora Ana Angélica Marinho Rodrigues. Às vezes, no Brasil, os operadores do Direito estão tão desorientados que se comportam como se não vivêssemos nos trópicos, mas na Europa. Talvez em outra época, quem sabe na chamada belle époque, antes da conflagração da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa.

São muitos os exemplos desse distanciamento desvairado, nas diversas expressões do Direito. Vejamos um caso extremo, dentre tantos outros. As disposições da Constituição Federal vigente após 1969 asseguravam a inviolabilidade dos domicílios e imputavam a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos detentos. Conforme já foi amplamente provado, na realidade concreta o próprio Estado efetuava prisões sem qualquer mandado judicial, sob a forma de sequestros obviamente ilegais, empregando de forma sistemática a tortura como peça essencial dos seus inquéritos, procedimentos ilegítimos que, acolhidos judicialmente, fundamentaram muitas condenações.

Recentemente, embora em circunstâncias mais brandas e de forma mais sutil, tivemos outro exemplo desse comportamento desnorteado. Na Bahia, um ilustre jurista contestou a veracidade da expressão utilizada pela pesquisadora Ana Angélica Marinho Rodrigues, em seu livro A.L. Machado Neto: o intelectual na província. Segundo o respeitado cidadão, ante a qualidade do Direito em nosso Estado, a Bahia não poderia ser considerada uma província !

O próprio A.L. Machado Neto (1930-1977), que em 1958 publicou um livro chamado Valores Políticos de uma Elite Provinciana, se vivo ainda fosse certamente teria achado inusitado um comentário tão distanciado dos fatos.

Falecido precocemente aos quarenta e sete anos de idade, o jurista e sociólogo baiano A.L. Machado Neto deixou mais de trinta livros publicados. Na segunda metade do Século XX foi muito forte a sua presença e todos conheciam o seu célebre Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, livro lançado em 1969 e que teve sucessivas reedições.

Seu nome costuma ser associado à chamada teoria egológica do Direito, da qual teria sido um solitário adepto no Brasil.

Antes de começar a estudar Direito tive acesso a um outro livro de A.L. Machado Neto, escrito por ele em parceria com Zahidé Machado Neto, sua esposa. Era o manual intitulado Sociologia Básica, lançado em 1975 e que teve também sucessivas reedições. Hoje considero ingênuo esse livro, inclusive quando comparado aos outros livros do mesmo autor. Outro livro dele sobre tema correlato, intitulado Sociologia Jurídica, lançado em 1973 e também com sucessivas reedições, é de qualidade muito superior.

Mas o fato de um intelectual possuidor de poderosíssima mente teórica ter que lançar manuais didáticos de nível básico reflete justamente a circunstância do trabalho intelectual na província. Se trabalhasse na metrópole, com certeza teria espaço para se dedicar apenas às pesquisas avançadas, sem ter que se dedicar também ao magistério elementar.

Nunca fui adepto da teoria egológica do Direito. Todavia, penso ser muito grande a importância intelectual de A.L. Machado Neto, mas por outro motivo. Sua extensa obra ressalta a historicidade profunda das várias expressões do Direito, enquanto fenômeno humano umbilicalmente ligado aos fatos sociais.

Essa análise dos aspectos sociológicos da experiência jurídica necessariamente nos leva a desviar o foco da atenção, que se desloca das palavras para os fatos. Assim, através da observação atenta da realidade concreta podemos perceber de maneira crítica as mistificações embutidas nos discursos.

Essas não são palavras vazias. O deslocamento em direção aos fatos sociais é uma atitude de prodigiosas consequências.

Enfim, quando o Direito mente, podemos sempre apelar para a Sociologia !

* Reno Viana, Juiz de Direito na Bahia e membro da Associação Juízes para a Democracia, edita o Blog Liberdades Democráticas (reno-viana.blogspot.com)



A.L. MACHADO NETO (1930-1977)















sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

PARA QUE SERVE, MESMO , UMA CONSTITUIÇÃO ?

Fábio Konder Comparato *

Em todas as religiões, o ingresso de neófitos exige um período de instrução mais ou menos longa do candidato sobre os dogmas da fé. No período da minha infância (e já lá se vão várias dezenas de anos), toda criança católica, para receber a primeira comunhão, devia saber de cor o catecismo.

Penso que hoje, analogamente, nenhum agente público, sobretudo do alto escalão estatal, deveria tomar posse do seu cargo, sem comprovar um mínimo conhecimento daquele conjunto de verdades que, embora não sobrenaturais, situam-se no mais elevado escalão ético: o sistema de direitos humanos.

Receio que o atual ministro das comunicações, Paulo Bernardo, não tenha sido instruído nos rudimentos dessa matéria, pois o seu conhecimento dos direitos humanos, para dizer o mínimo, deixa muito a desejar.

Em entrevista realizada ao vivo na TV Brasil, sua excelência reconheceu que o setor de comunicação social acha-se muito concentrado no Brasil, e que é preciso desconcentrá-lo.
 "Mas não vamos fazer isso por lei", advertiu. "Não dá para fazer uma lei que diga que vai desconcentrar, até porque não haveria mecanismos para isso."

O recado foi assim dado. Ao que parece, o governo da presidente Dilma Rousseff considera sem importância as ações de inconstitucionalidade por omissão, já propostas no Supremo Tribunal Federal, para exigir que o Congresso Nacional vote uma legislação regulamentadora de vários dispositivos constitucionais sobre comunicação social, ações essas que tenho a honra de patrocinar como advogado.

Vejo-me, portanto, com grande constrangimento, obrigado a expor ao ministro e, quiçá, à própria presidente que o escolheu, o b-a-ba dos direitos humanos.

É preciso começar pela distinção básica entre direitos humanos, deveres humanos e garantias fundamentais.

Os direitos humanos são inatos a todos os componentes da espécie humana, porque dizem respeito à sua dignidade de pessoas; isto é, dos únicos seres da biosfera dotados de razão e consciência, como enfatiza o artigo primeiro da Declaração Universal de 1948. Por isso mesmo, tais direitos não são criados pela autoridade estatal, mas por ela simplesmente reconhecidos. Em doutrina, faz-se, em conseqüência, a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais. Estes últimos são os direitos humanos reconhecidos nas Constituições ou nos tratados internacionais.

Em estrita correspondência com os direitos humanos, existem os deveres humanos. Para ilustração, basta lembrar que todos têm direito à vida, direito esse que, em conseqüência, deve ser por todos respeitado. Os Estados, por não serem pessoas humanas, não possuem obviamente direitos humanos. Não obstante, todos os Estados têm deveres humanos, quando mais não seja o de criar os meios ou instrumentos legais de proteção dos direitos, vale dizer, de estabelecer as garantias fundamentais.

Ao contrário dos direitos e dos deveres humanos, as garantias somente existem quando criadas e reguladas pela autoridade competente; ou seja, os Estados, no plano nacional ou internacional, e as organizações internacionais, como a ONU e a OEA. Daí porque tais garantias são ditas fundamentais e não simplesmente humanas, como os direitos.

Pois bem, ministro Paulo Bernardo, a Constituição Brasileira reconhece o direito à comunicação como fundamental, no art. 5°, incisos IV, IX e XIV, e no art. 220 caput, os quais me abstenho de transcrever, mas cuja leitura me permito recomendar-lhe vivamente.

Mas o que significa, afinal, comunicação?

Atentemos para a semântica. O sentido original e básico de comunicar é de pôr em comum. A comunicação, por conseguinte, não é absolutamente aquilo que fazem os nossos grandes veículos de imprensa, rádio e televisão; a saber, a difusão em mão única de informações e comentários, por eles arbitrariamente escolhidos, sem admitir réplica ou indagação por parte do público a quem são dirigidos.

Tecnicamente, o direito à comunicação compreende a liberdade de pôr em comum, vale dizer, de dar a público a expressão de quaisquer opiniões, a liberdade de criação artística ou científica, e a liberdade de informação nos dois sentidos: o de informar e o de ser informado.

Para cumprimento do dever fundamental do Estado Brasileiro de respeitar o direito à comunicação, a Constituição Federal em vigor estabeleceu um certo número de garantias fundamentais; as quais, frise-se, só se tornam praticáveis, quando adequadamente reguladas em lei.

Exemplo: "É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem" (Constituição, art. 5°, inciso V). Como pode ser exercida essa garantia de proteção à identidade ou à honra individual? Somente em juízo, ou também fora dele? Há ou não há limites de extensão ou duração da resposta? Recebido o pedido extrajudicial, em quanto tempo deve o veículo de comunicação social dar a público a resposta do ofendido? Esta deve ser publicada na mesma seção do jornal e no mesmo programa de rádio ou televisão, em que foi divulgada a ofensa, ou a informação incorreta? Tudo isso, senhor ministro, somente a lei pode e deve estabelecer.

Outro exemplo, para retomar o comentário do ministro Paulo Bernardo, acima transcrito. A Constituição proíbe o monopólio e o oligopólio, diretos ou indiretos, no setor de comunicação social (art. 220, § 5°). Quem deve definir a existência de monopólio ou oligopólio, de forma direta ou indireta, no mercado? O ministro das comunicações? A sua chefe, a presidente da República? O deus onipotente dos tempos modernos, o Mercado? Ou deveremos, talvez, deixar essa definição para os preclaros ministros do Supremo Tribunal Federal que, por sinal, não tiveram constrangimento algum em considerar revogada a lei de imprensa, que regulamentava o direito de resposta?

Quem sabe, o ministro Paulo Bernardo já ouviu a citação do art. 5°, inciso II, da Constituição Federal: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Ora, há mais de duas décadas, exatamente há 22 anos e três meses, aguardamos todos que o Congresso Nacional cumpra o seu dever fundamental de legislar, definindo as condições em que será reconhecida a existência de monopólio ou oligopólio, no campo da comunicação social. Nesse tempo todo, o espírito empresarial não ficou passivo, a esperar, apalermado, que as autoridades da República se decidissem, enfim, a cumprir a Constituição. Só no setor de televisão, a Globo passou a controlar 342 empresas; a SBT, 195; a Bandeirantes, 166; e a Record, 142.

Pois bem, senhor ministro Paulo Bernardo, ainda que mal lhe pergunte: - Para que serve, mesmo, uma Constituição?

* Professor titular emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), doutor honoris causa da Universidade de Coimbra e doutor em Direito pela Universidade de Paris


quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

CONSTRUIR CADEIAS

Reno Viana *

Como Juiz de Direito responsável pela área de execuções penais em Vitória da Conquista, interior da Bahia, estive em reunião com o Diretor do Presídio Regional desta cidade. A situação relatada por ele é desesperadora. Em razão da superlotação carcerária, simplesmente não existe vaga para qualquer indivíduo que nos próximos dias venha a ser preso por aqui.

O referido Presídio Regional foi projetado para cento e poucas pessoas, mas custodia trezentas e tantas. São quase todos presos provisórios - indivíduos ainda não condenados e que aguardam julgamento. Quando forem condenados, se for o caso, deverão ser transferidos para outra cidade, onde existe unidade destinada ao cumprimento de penas de prisão em regime fechado.

Até o final do ano passado, em Vitória da Conquista, além do Presídio Regional existiam presos provisórios custodiados na carceragem de uma Delegacia de Polícia conhecida como Distrito Integrado de Segurança Pública – DISEP. Em razão de irregularidades identificadas naquele local, como insalubridade e relatos de maus tratos, decretei a interdição total daquela unidade. A minha decisão estava embasada na lei, na doutrina jurídica e na jurisprudência dos tribunais, bem como nos fatos provados, e foi bem recebida pela comunidade, inclusive pela Polícia Civil, que há anos alegava não ser função sua a custódia de presos.

Essa situação caótica, como se sabe, não ocorre apenas nesta cidade. Na verdade, parece ser uma triste realidade em todo Brasil. Para a população, talvez esteja ocorrendo um aparente descaso dos governantes. No entanto, a realidade é muito mais complexa.

A situação nos leva a uma análise do próprio fenômeno social do encarceramento. É difícil dizer os motivos profundos que levam a sociedade a optar por prender indivíduos. Quando ocorre um crime grave, é comum ver na televisão amigos e familiares das vítimas dizendo que querem “justiça”. Não sabemos até que ponto essas pessoas talvez estivessem querendo dizer que queriam “vingança”. De qualquer sorte, podemos afirmar que justiça não significa necessariamente encarceramento. A prisão nem sempre será a melhor resposta da sociedade diante da ocorrência de uma ilicitude.

No nosso país, tradicionalmente a prisão tem sido um lugar social destinado ao pobre. As condutas descritas no Código Penal são basicamente alusivas ao comportamento das camadas populares. As ilicitudes praticadas pelos ricos muitas vezes não eram tipificadas na legislação penal. Embora algumas mudanças tenham ocorrido, ainda hoje é muito difícil um rico ser preso no Brasil.

Destinar recursos para essa ou para aquela área implica em fazer escolhas. Certamente um governante escolhe bem ao optar por desenvolver políticas sociais de longo alcance.

Nesse contexto, é preciso questionar o encarceramento. Construir cadeias pode significar uma política de exclusão.

* Reno Viana é Juiz de Direito na Bahia e membro da Associação Juízes para a Democracia.



Presídio Regional Adv. Nilton Gonçalves,
em Vitória da Conquista - BA


Fonte: Blog Reno Viana - Liberdades Democráticas





sábado, 15 de janeiro de 2011

A POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOS DEVERÁ MUDAR DE RUMO NO GOVERNO DE DILMA ROUSSEFF


Secretaria de Direitos Humanos
deve focar crianças e adolescentes

 

A política da Secretaria de Direitos Humanos deverá mudar de rumo no governo de Dilma Rousseff. A nova ministra, a deputada gaúcha Maria do Rosário (PT), não seguirá a trilha de seus antecessores petistas, Nilmário Miranda e Paulo Vannuchi, que puseram em primeiro plano a política de apuração de violações de direitos humanos ocorridos na ditadura. A prioridade agora serão os direitos das crianças e dos adolescentes.

Uma das primeiras ações do ministério será avaliar se o Estado brasileiro respeita os direitos das crianças que mantém sob sua tutela em abrigos públicos. De acordo com números oficiais, existem no país 2.400 abrigos desse tipo, destinados a crianças sem família, abandonadas, retiradas do meio familiar por ordem judicial porque sofriam algum tipo de violência ou porque não eram bem tratadas, vítimas de abuso sexual, dependência de drogas. No total são 54 mil abrigados.

O que chama a atenção da ministra é que, embora exista uma fila de 28.988 famílias querendo adotar os moradores desses abrigos, apenas 5.369 estão aptos para a adoção. O que acontece com os outros? Seriam vítimas de uma política de Estado que está preparada para abrigar as crianças, mas não se preocupa em desabrigá-las.

Muitas, segundo Maria do Rosário, foram recolhidas por causa de uma dificuldade temporária da família natural e acabaram esquecidas nos abrigos. Tecnicamente não se destinam à adoção, mas, após anos sob a tutela do Estado, também não estão em condições de voltar para a família natural, porque não são mais desejadas, porque foram esquecidas ou por outras razões.

"Quem garante que os direitos dessas crianças estão sendo respeitados?", indaga a ministra, cuja pasta é responsável pelo estabelecimento de políticas para os abrigos, mantidos por prefeituras e governos estaduais. "Esses lugares não são, com toda certeza, os melhores para crescer."

Maria do Rosário vai promover ações, com o apoio do Judiciário, do Ministério do Desenvolvimento Social e outras instituições públicas, para avaliar a situação dessas crianças e encontrar formas de devolvê-las às famílias, ou, quando não for possível, abrir portas para a adoção.

Tema

O tema das crianças e adolescentes constitui o eixo da carreira política da ministra, desde que se elegeu vereadora pela primeira vez, em 1992, Porto Alegre. Na semana passada, durante encontro com a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, ela se emocionou tanto ao falar de meninas e meninos vítimas de exploração sexual que, em dois momentos, ficou com os olhos marejados.

Quem a conhece sabe que isso é comum. Acontecia com frequência entre 2003 e 2004, quando atuou como relatora da comissão parlamentar de inquérito que investigou as redes de exploração sexual de crianças e adolescentes no país – atividade que, apesar da ampla divulgação, teve poucos resultados. Segundo levantamento da Polícia Federal Rodoviária Federal, de 2010, ao longo das rodovias federais existem 1.800 locais identificados como pontos de exploração sexual de crianças e adolescentes: um a cada
26 quilômetros.

Maria do Rosário também pretende dar mais atenção às questões que envolvem os direitos dos idosos, dos deficientes físicos e dos homossexuais. No fim deste mês ela se encontrará com representantes de organizações de homossexuais, em São Paulo, para debater medidas de combate à homofobia.

A questão dos mortos e desaparecidos na ditadura militar não ficará fora de sua agenda. A diferença, em relação aos antecessores, é que não pretende manter o tema na boca. Também evitará debates públicos com o ministro da Defesa, Nelson Jobim (PMDB).

Na quarta-feira, ao chegar à sede do Ministério da Defesa, para um encontro com Jobim, Maria do Rosário entrou pela garagem, para evitar perguntas de jornalistas sobre as divergências entre Defesa e Direitos Humanos a respeito de apurações de crimes ocorridos na ditadura. Mas, ao término do encontro, que foi dos mais amistosos, Jobim insistiu para que saísse pela porta da frente, ao lado dele.