quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

NOTA PÚBLICA CONTRA A ASCENSÃO DO ESTADO POLICIAL E DE APOIO AO JUIZ RENO VIANA DE VITÓRIA DA CONQUISTA-BA.

O Núcleo Baiano da Associação Juízes para a Democracia, diante da gravidade dos fatos ainda relacionados à violência do Estado Policial no episódio que culminou com a morte de um policial e 11 pessoas em Vitória da Conquista - além dos desaparecidos - vem externar o apoio ao seu associado, o Magistrado Reno Viana Soares, alertando a sociedade conquistense para os desdobramentos que este precedente pode acarretar para a segurança jurídica e social da população desta cidade que tem um histórico de lutas a favor da Democracia e dos Direitos Humanos.
Deste modo, conclamamos as diversas entidades da sociedade civil comprometidas com o Estado Democrático de Direito, especialmente a OAB, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Universidade do Sudoeste e as faculdades, bem como a própria Polícia Civil e Militar que devem integrar este corpo de entidades atentas ao cumprimento do Programa Nacional de Segurança( incluindo o aperfeiçoamento e a aproximação das polícias com a população, à exemplo da experiência exitosa das UPPS – Unidades de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro) a apoiarem os trabalhos de instrução e julgamento de todos os culpados permitindo ao Poder Judiciário uma atuação longe de ameaças e intimidações que serão rechaçadas pela entidade subscritora e, se necessário, denunciadas aos orgãos nacionais e internacionais ligados aos Direito Humanos.
Esperamos com esta Nota Pública chamar a atenção do Governo do Estado da Bahia e da Sociedade Baiana para a gravidade e risco da ascensão da violência pelo Estado Policial, ao lado do silêncio da sociedade que é também uma outra forma de violência.É um alerta aos que preferem um olhar contemplativo e omisso diante da gravidade de situações como tais que submetem ricos e pobres, negros e brancos a suportarem a qualquer momento, crimes como tais, se houver o império da impunidade.

Maurício Brasil
Coordenador do Núcleo Baiano da Associação Juízes para a Democracia

NOTA PÚBLICA PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

 A AJD – Associação Juizes para a Democracia, entidade nacional que reúne magistrados em prol da defesa dos valores democráticos, através do seu Núcleo Baiano, entende que para uma magistratura independente é fundamental que qualquer denúncia contra seus membros, servidores, bem como demais profissionais do direito, seja apurada dentro dos princípios constitucionais, que inclui participação da sociedade civil, especialmente da imprensa livre que tem contribuído substancialmente para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, reagimos às falas intimidatórias oriundas de quaisquer poderes instituídos da república que objetivem apenas ofuscar a verdade e inibir profissionais do direito, especialmente uma parcela do Poder Judiciário, membros do Ministério Público Estadual, profissionais da imprensa e veículos de comunicação legitimados pela Constituição Federal nas tarefas específicas e naturais em qualquer Nação Democrática

.A luta contínua dos juízes livres e independentes, do Núcleo Baiano da Associação Juízes para a Democracia, ao lado dos profissionais acima mencionados, é fundamental para remover os escombros de uma justiça descompromissada com a sociedade civil e que impede a construção de um Poder Judiciário Novo, independente e condizente com os valores democráticos conquistados arduamente pela sociedade; a Justiça que a sociedade baiana almeja, aquela que não seja afeiçoada com o autoritarismo que ainda teima na terra do 02 de Julho.

Salvador, 15 de setembro de 2008
Maurício Brasil
Coordenador do Núcleo Baiano da Associação Juízes para a Democracia




terça-feira, 28 de dezembro de 2010

MENSAGEM DE FIM DE ANO

Atendendo a sugestões diversas, o Blog da AJD-BAHIA apresenta abaixo a mensagem que o Juiz Mauricio Brasil, coordenador do nosso núcleo baiano, enviou por e-mail na semana passada para os nossos colegas de todo o país.



A todas e todos os amigos da AJD


Em viagem, um dos meus presentes natalinos é ler tantas notícias boas.

É tempo de colheita. No condomínio aonde moro ainda existem muitas mangueiras, pássaros e micos que nos visitam até na varanda da casa. Os passarinhos são vocês da velha guarda da AJD, que nunca pararam de cantar - mesmo em tempos sombrios. São os novos pássaros da liberdade que se juntam a nós: Reno e Gerivaldo, na Bahia (neste momento, calculo que o nome de Gerivaldo esteja sendo aprovado na reunião).

Portanto, ainda sobre as mangas que começam a cair de montão lá no condomínio, as boas notícias chegam tão rápidas que não estou tendo tempo para colher no chão. Mas quando não as colhemos, elas não se perdem - nada se perde na AJD - os passarinhos cuidam de chupá-las alegremente. Assim tenho feito com minhas acerolas e pitangas no quintal de casa: são gostosas de chupar e ficam mais lindas ainda quando adoçamos os bicos dos passarinhos.

Estou muito feliz pela colheita.

Feliz pelos antigos jardineiros que, como nas trupes do teatro, transformam-se em passarinhos e como cantam - Marcelo-Dora-Kenarik-Dirceu-Marcão-Ranulfo - e tantos outros que fizeram a escolha das sementes, do chão e do adubo para, depois, subirem no topo dos ipês (lindos que ainda vejo em Sampa) e cantarem, de carretilha às vezes.

Feliz pelos novos passarinhos que chegam para cantar no Mirante do Elevador Lacerda ou no Terraço Libertário da Rua Maria Paula.

Feliz com Natal, de Lygia e Rosivaldo. Feliz Natal com o Amazonas, do valente Valois, passando pelo Maranhão urgente dos colegas que resistem e não temem o último déspota decadente. Ainda Feliz Natal para Fortaleza, onde, por ora, o nosso Michael pouco tempo tem para descansar nas tranças lindas das redes do Ceará. Feliz Natal aos cabras valentes de Pernambuco, onde Viana inaugurou o primeiro núcleo do Nordeste e acolheu também o 1º Encontro dos Juízes Resilientes. Feliz Natal ao Rio de Janeiro, onde vive um carioca-mineiro, o meu Baixinho Predileto - João Damasceno - ao lado de outro baixinho inteligente - Romário - dois craques que admiro nesta Cidade Sempre Maravilhosa, apesar de todos os percalços dos governos imprudentes. És tu, Damasceno, grande em todos os gestos, humanista de humor fino e vibrante. Mais que colega, um amigo, meu guru das estratégias vigentes e de quem ouvi palavras inesquecíveis num desses encontros da gente: "siga este conselho, no Rio está dando certo, o caminho é costurar com a sociedade civil..."  Palavras ditas num contexto que me fizeram mudar o curso de algumas táticas e pegar uma trilha mais curta para fortalecer o Núcleo Baiano. Deste modo, estou quase concluindo, ainda no Mirante do Corcovado, espiando o lúcido e firme Rubens, e no mesmo passo Haddad, com o qual já aprendi grande lição: ficar, sair e voltar é gesto tão belo e grande que o espaço aqui é pequeno para uma homenagem prestar. Feliz Natal, Tocantins, de Milton do abraço "caliente", pois é por lá que temos - proporcionalmente - o núcleo mais povoado, tão longe e pelo afeto tão pertinho da gente.

E, agora, é final, finalmente. Prometo fechar com chave de ouro. Vou dizer de uma gente que para mim é TESOURO: lhes falo de nossos colegas do Núcleo Catarinense, de todos que não conheço e dos meus amigos freqüentes. Angela, a doce e firme colega, também diferente. E, meu final-finalmente, tinha que ser para ele, o meu bravo locutor, a Voz de Ouro, que estremece as platéias com seu jeito firme e inteligente. Está gravado em meu peito, querido amigo Alessandro, aquele gesto tão grande: ficar um dia a mais na Bahia, só pra ficar comigo e reforçar minha fala naquela manhã pioneira da única Audiência Pública na Justiça da Bahia, pelas mãos do CNJ, e que foi também a derradeira - falamos pra casa cheia. Não há outra palavra a dizer, serve pra todos, todos mesmo da AJD, mas é especial pra você: Gratidão!

E assim vou concluindo, nesses quatro anos do Núcleo AJD–BAHIA !

Feliz 2011 !

Fraternalmente,

Maurício Brasil


segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

CONEXÃO BAHIA / TIMOR-LESTE

Justiça para criança: engajamento cívico em Timor-Leste

Isabel Maria Sampaio Oliveira Lima *

O Timor-Leste é um país jovem: constituiu-se como nação independente há 6 anos e 62% da sua  população tem menos de 18 anos de idade. A natalidade é alta e, apesar dos desafios para a redução da mortalidade infantil, há uma fundada expectativa de curva demográfica ascensional a exigir   politicas públicas capazes de garantir os direitos humanos. A construção do Estado Democrático de Direito se defronta com um desafio de natureza diferenciada: colonizado pelos Portugueses e invadido pela Indonésia de 1975 até 1999, o Timor-Leste guarda uma história escrita em 32 línguas, através de longo período de resistência e com traumas diversos registrados na tarja negra que está inscrita na bandeira nacional.

Está o país a construir a sua legislação, a estruturar os órgãos soberanos do Estado e a formar os seus recursos humanos. A promulgação dos Códigos Penal e Civil constitui uma expectativa: vigentes, ainda, os diplomas indonésios na terra independente. Como escrever, pois, uma legislação capaz de respeitar os princípios estruturantes da Convenção sobre Direitos da Criança (CDC) e preservar a especificidade nacional? Este artigo sintetiza a experiência como consultora do Unicef e do Ministério da Justiça (MJ) para redação do projeto para adolescentes em conflito com a lei.

Definiu-se, inicialmente, que o projeto seria precedido por uma consulta distrital. Preparou-se um instrumento, testou-se e organizou-se uma equipe de juristas que conhecem as línguas do país. Planejou-se, com os Administradores Distritais, uma reunião em cada um dos Distritos realizando-se, ao longo de três meses, uma breve exposição sobre o propósito da consulta. Presentes as Autoridades Comunitárias - Administradores, Sub-Administradores, Chefes de Suco e de Aldeia - e Representantes das áreas de saúde, educação, segurança, ongs e religiosos. Enfatizou-se a perspectiva da cidadania e o fortalecimento da Democracia. Aplicou-se instrumento com questões sobre prevenção da criminalidade e mecanismos tradicionais comunitários de resolução de conflito. As respostas foram discutidas em grupo, sistematizando-se, a seguir, os pontos fundamentais que poderiam vir a ser assimilados no projeto de lei. Foram ouvidas, ao longo da consulta distrital, 678 pessoas. Formaram-se, igualmente, dois grupos em Díli: o primeiro constituído de representantes do judiciário, do ministério público e da defensoria, foi igualmente interministerial e discutiu o processo de consulta e o conteúdo do draft. Já o segundo grupo reuniu adolescentes representantes de ongs de Díli para discutir o tema da justiça juvenil. Os jovens reuniram-se semanalmente e estruturaram-se como “Rede Juvenil Comunicação Direito da Criança” (Rede), mantendo-se em processo de gradativo fortalecimento mediante a discussão da CDC.

Programou-se, igualmente, um Seminário “Justiça para Criança: fortalecendo a Democracia em Timor-Leste” com o objectivo de abrir, formalmente, o processo de consulta pública do draft revisado. O Seminário foi precedido de Oficina que reuniu 88 adolescentes de todos os Distritos discutindo a CDC e os procedimentos para adolescentes autores de crime. Organizou-se um treinamento sobre CDC para os 13 Pontos Focais de Direitos Humanos dos Distritos que acompanharam os adolescentes. No Seminário, afinal, os próprios adolescentes apresentaram ao público o fluxo dos processos sócio educacional e do penal juvenil, as medidas sócio educacionais, as medidas de proteção e a possibilidade da mediação através da prática tradicional comunitária para os crimes semi-públicos.

Este processo intenso, ao longo de  onze meses, constituiu uma experiência pioneira de participação cívica dos adolescentes, nos termos dos artigos 12 e 13 da CDC e de ampliação do debate sobre a dinâmica legislativa, convidando novos atores para integrar a discussão sobre as três dimensões do projeto de lei: preventiva, sócio educacional e restaurativa. A capilaridade que vem alimentando esta senda escolhida para orientar o processo da legislação especial fortalece a descentralização do debate e a assimilação da cidadania enquanto dinâmica que também pode vir a sustentar a democracia em Timor-Leste. Primeiro a ser colocado no site do MJ para ampliar o debate nacional, o draft Justiça Juvenil inaugura o engajamento cívico. O grupo de adolescentes formado em Janeiro de 2008 está fortalecido pelos jovens dos Distritos, construindo, aos poucos, a Rede Nacional.

Embora com limitadas estradas nas montanhas, a exigir prudência para atravessar a ilha, a experiência recente do processo de redação e debate na área da justiça juvenil em Timor-Leste confirma que há muitos caminhos entre o direito e a sociedade para atravessar a realidade insular e aportar no continente da garantia dos direitos da criança.

* Isabel Maria Sampaio Oliveira Lima, Juíza de Direito da Bahia, membro da Associação Juízes para Democracia, Consultora em Timor-Leste.

domingo, 26 de dezembro de 2010

CONFRATERNIZAÇÃO EM SÃO PAULO


Homenagem da AJD ao intelectual Antonio Candido
contou com a participação de juízes baianos

Aconteceu em São Paulo este mês o II Encontro da Associação Juízes para a Democracia. O núcleo baiano da entidade foi representado no evento pelos juízes Maurício Brasil, de Salvador, e Reno Viana, de Vitória da Conquista. 

A programação contou com a presença do jurista Fábio Konder Comparato e teve como ponto alto a homenagem prestada pela AJD ao escritor Antonio Candido de Melo e Souza, considerado por muitos como o maior intelectual vivo do Brasil.

Professor emérito da USP, Antonio Candido lecionou também na Universidade de Paris e na Universidade de Yale. Autor de obras fundamentais da cultura nacional, como o célebre livro Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos, ele sempre teve participação ativa na vida social e política do país.

Para Luís Fernando Vidal, presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia, Antonio Candido sempre lutou pela democracia e pelos direitos humanos, razão pela qual em reconhecimento a esse fato a entidade entrega a ele uma pintura inédita que representa a luta de Dom Quixote contra os moinhos da opressão.
 
Falando ao núcleo baiano da AJD na ocasião, Antonio Candido declarou que sempre teve grandes amigos da Bahia. Ele, inclusive, foi membro de uma organização política da qual também faziam parte os conhecidos juristas baianos Hermes Lima e João Mangabeira .

Outro momento de destaque do evento foi a participação do jurista Fábio Konder Comparato, que falou sobre o Poder Judiciário no quadro da organização política brasileira. Para ele, as associações de magistrados em geral, com a honrosa exceção da AJD, tem trabalhado predominantemente na defesa dos interesses próprios da categoria, e não da melhor organização da Justiça para a realização do bem comum do povo.

Durante o encontro, os juízes debateram temas diversos ligados à atuação da entidade, em especial aqueles referentes a democracia e ao papel do Poder Judiciário, bem como ao significado dos vinte anos de fundação da AJD. No evento foi divulgada Nota Pública sobre os recentes acontecimentos no Rio de Janeiro (À margem da lei todos são marginais) e foi reivindicado estímulo à participação popular no processo de escolha dos integrantes do STF (O déficit democrático no processo de escolha dos ministros do STF).

Ao final do encontro foi realizado um jantar de confraternização.

                                 Juízes de vários Estados participaram do evento


                                                Fábio Konder Comparato


                         João Batista Damasceno, Antonio Candido e Reno Viana.
                                           Ao fundo, Ranulfo de Melo Freire



Texto: AJD - BAHIA
Fotos: DORA MARTINS

sábado, 25 de dezembro de 2010

BISPO CATÓLICO RECUSA COMENDA DOS DIREITOS HUMANOS


Recebimento de Comenda seria uma incoerência,
afirmou Dom Edmilson

Natasha Pitts *

Nesta terça-feira (21), em uma atitude digna de um defensor dos direitos humanos, o bispo de Limoeiro do Norte (CE), Dom Manuel Edmilson da Cruz, se recusou a receber do Senado Federal a Comenda dos Direitos Humanos Dom Helder Câmara. A atitude do bispo católico foi motivada pelo aumento salarial de 61,8% aprovado pelo Congresso Nacional na semana passada.

A comenda foi entregue em Brasília (DF) a Dom Pedro Casaldáliga, ao deputado estadual no Rio de Janeiro Marcelo Freixo, e aos defensores públicos Wagner de La Torre e Antônio Roberto Cardoso. Dom Manuel Edmilson era um dos indicados, no entanto, em forma de protesto, não aceitou a homenagem e ainda assegurou que "a Comenda outorgada não representa a pessoa do cearense maior que foi Dom Hélder Câmara. Desfigura-a, porém".

Em seu discurso, o Bispo de Limoeiro do Norte não perdeu a oportunidade de relembrar aos deputados, senadores e demais presentes as situações extremas enfrentadas cotidianamente pelo povo brasileiro. Entre elas, a tentativa de ter acesso à saúde por meio de atendimento nos hospitais públicos.

"Não são raros os casos de pacientes que morreram de tanto esperar o tratamento de doença grave, por exemplo, de câncer, marcado para um e até para dois anos após a consulta", ressaltou.

Dom Edmilson também criticou o não pagamento dos precatórios, o pequeno aumento ofertado para os aposentados/as e o valor do salário mínimo brasileiro para mostrar que o aumento de 61,8% aprovado pelos parlamentares em causa própria é abusivo. "Quem assim procedeu não é Parlamentar. É para lamentar", criticou Dom Edmilson.

Em entrevista à ADITAL, o Bispo explicou que o prêmio foi pensado para ser outorgado a pessoas que lutam pelos direitos humanos e que seu nome foi indicado pelo senador Inácio Arruda (PCdoB-CE). No entanto, mesmo tendo sido lembrado, o Bispo entendeu que seria uma incoerência, pois estaria agindo contra os direitos humanos ao aceitar a Comenda. Dessa forma, a única saída seria recusar.

"Em Fortaleza, os motoristas de ônibus buscavam 26% de aumento, mas com um grande esforço só conseguiram 6%. Quem recebe mais de 60% de aumento hoje em dia no Brasil? Com certeza não são os aposentados. O salário mínimo também não aumenta nessa proporção. Seria justo que o aumento dos parlamentares seguisse o reajuste do salário mínimo", defendeu.

"O povo brasileiro é contribuinte, ele paga imposto. Por isso, um aumento de mais de 60% é uma afronta a este povo trabalhador, e quem aprova um aumento destes está atentando contra os direitos humanos dos brasileiros", completou o Bispo, esclarecendo que sua atitude foi resultado não apenas de suas ações, mas também da de várias outras pessoas justas que lutam pelos direitos humanos.

Em Brasília, Dom Edmilson encerrou seu discurso afirmando que se deve retroceder e pedindo que o erro seja desfeito. O Bispo cearense foi aplaudido pelos presentes.

Após a recusa, o Bispo recebeu o apoio de centenas de pessoas que concordaram com a atitude. De acordo com Rosa Maria, da Arquidiocese de Fortaleza, diversas pessoas estão ligando e enviando e-mail para saber como entrar em contato com Dom Edmilson para parabenizá-lo pela coragem de falar o que o povo brasileiro sente.

"Alguém precisava ter coragem para falar. Acredito que a atitude de Dom Edmilson outras ações e manifestações vão acontecer para mostrar a insatisfação do povo com o aumento dos parlamentares".

No mesmo dia, enquanto Dom Edmilson dava uma lição de direitos humanos em senadores e deputados, cerca de 130 estudantes secundaristas e universitários de Brasília protestavam em frente ao Congresso contra o mesmo aumento salarial.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

MENSAGEM DE NATAL




Natal: ver com os olhos do coração

Leonardo Boff *

Somos obrigados a viver num mundo onde a mercadoria é o objeto mais explícito do desejo de crianças e de adultos. A mercadoria tem que ter brilho e magia, senão ninguém a compra. Ela fala mais para os olhos cobiçosos do que para o coração amoroso. É dentro desta dinâmica que se inscreve a figura do Papai Noel. Ele é a elaboração comercial de São Nicolau -Santa Claus- cuja festa se celebra no dia 6 de dezembro. Era bispo, nascido no ano 281 na atual Turquia. Herdou da família importante fortuna. Na época de Natal saia vestido de bispo, todo vermelho, usava um bastão e um saco com os presentes para as crianças. Entregava-os com um bilhetinho dizendo que vinham do Menino Jesus.

Santa Claus deu origem ao atual Papai Noel, criação de um cartunista norte-americano Thomas Nast em 1886, posteriormente divulgado pela Coca-Cola já que nesta época de frio caía muito seu consumo. A imagem do bom velhinho com roupa vermelha e saco nas costas, bonachão, dando bons conselhos às crianças e entregando-lhes presentes é a figura predominante nas ruas e nas lojas em tempo de Natal. Sua pátria de nascimento teria sido a Lapônia na Finlândia, onde há muita neve, elfos, duendes e gnomos e onde as pessoa se movimentam em trenós puxados por renas.

Papai Noel existe? Esta foi a pergunta que Virgínia, menina de 8 anos, fez a seu pai. Este lhe respondeu: "Escreva ao editor do jornal local! Se ele disser que existe, então ele existe de fato". Foi o que ela fez. Recebeu esta breve e bela resposta:

Sim, Virgínia, Papai Noel existe. Isto é tão certo quanto a existência do amor, da generosidade e da devoção. E você sabe que tudo isto existe de verdade, trazendo mais beleza e alegria à nossa vida. Como seria triste o mundo se não houvesse o Papai Noel! Seria tão triste quanto não existir Virgínias como você. Não haveria fé das crianças, nem a poesia e a fantasia que tornam nossa existência leve e bonita. Mas para isso temos que aprender a ver com os olhos do coração e do amor. Então percebemos que não há nenhum sinal de que o Papai Noel não exista. Se existe o Papai Noel? Graças a Deus ele vive e viverá sempre que houver crianças grandes e pequenas que aprenderam a ver com os olhos do coração.

É o que mais nos falta hoje: a capacidade de resgatar a imaginação criadora para projetar melhores mundos e ver com o coração. Se isso existisse, não haveria tanta violência, nem crianças abandonas nem o sofrimento da Mãe Terra devastada.

Para os cristãos vale a figura do menino Jesus que tirita sobre as palhinhas sendo aquecido pelo bafo do boi e do jumento. Disseram-me que ele misteriosamente através de um dos anjos que cantaram nos campos de Belém enviou a todas as crianças do mundo uma cartãozinho de Natal no qual dizia:

Queridos irmãozinhos e irmãzinhas:

Se vocês olhando o presépio e me virem aí, sabendo pelo coração que sou o Deus-criança que não veio para julgar, mas para estar, alegre, com todos vocês,

Se vocês conseguirem ver nos outros meninos e meninas, especialmente no mais pobrezinhos, a minha presença neles,

Se vocês conseguirem fazer renascer a criança escondida no seus pais e nos adultos para que surja nelas o amor a ternura,

Se vocês ao olharem para o presépio perceberem que estou quase nuzinho e lembrarem de tantas crianças igualmente pobres e mal vestidas e sofrerem no fundo do coração por esta situação desumana e desejarem que ela mude de fato,

Se vocês ao verem a vaca, o boi, as ovelhas, os cabritos, os cães, os camelos e o elefante pensarem que o universo inteiro recebe meu amor e minha luz e que todos, estrelas, pedras, árvores, animais e humanos formamos a grande Casa de Deus,

Se vocês olharem para o alto e virem a estrela com sua cauda e recordarem que sempre há uma estrela sobre vocês, acompanho-os, iluminando-os, mostrando-lhes os melhores caminhos,

Então saibam que eu estou chegando de novo e renovando o Natal. Estarei sempre perto de vocês, caminhando com vocês, chorando com vocês e brincando com vocês até aquele dia que só Deus sabe quando estaremos todos juntos na Casa de nosso Pai e de nossa Mãe de bondade para vivermos bem felizes para sempre.

Belém, 25 de dezembro do ano 1.

Assinado: Menino Jesus


(* Leonardo Boff , teólogo e escritor, é autor de  Sol da Esperança: Natal,  Histórias, Poesias, Símbolos)




terça-feira, 21 de dezembro de 2010


 JANGADAS DA CIDADANIA

Maurício Brasil *


“... me parece uma enorme  contradição  que  uma  pessoa progressista,  que  não  teme  a novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações, que se bate pela decência, que luta contra a impunidade, que recusa o fatalismo  cínico e imobilizante, não seja criticamente esperançosa”
Paulo Freire.


Em janeiro de 2008, o núcleo baiano da Associação Juízes para a  Democracia  deliberou  desenvolver projetos junto a comunidades carentes, para estreitar o laço do Poder Judiciário com a camada mais carente da  população  e  daí  vem  o  “Projeto Jangadas da Cidadania”, fruto de uma parceria com a Colônia Z-67, organização que foi criada inicialmente com 148  pessoas  e  conta  com  cerca  de 1.000 associados, pescadores e marisqueiras, localizado no Bairro de Paripe, subúrbio ferroviário de Salvador-BA.
Encontramos um  Poder  Judiciário precarizado nos serviços à população, principalmente  aos  moradores  do subúrbio e nos defrontamos com uma interpretação  do  direito  que  atende majoritariamente o ponto de vista da classe dominante. Mas podemos e devemos navegarem outros mares, pois acreditamos na mediação de conflitos fora da Justiça tradicional, que naufragou por se distanciar do porto seguro, da praia do povo e do mar cidadão.
Durante o período de preparação, observamos, em diversos encontros com a comunidade, o apoio voluntário de outros profissionais da área jurídica, que davam palestras sobre a temática da família, para um público cuja maioria eram mulheres marisqueiras.
Detectamos uma demanda significativa de  questões  relacionadas  a conflitos  familiares  (partilha de bens em  união estável, alimentos, investigação de paternidade, guarda de filhos e netos, violência doméstica contra a mulher)  e  dificuldade  na  resolução dos entraves burocráticos da área previdenciária.
Os encontros  serviram  de  ponto de  partida  para  o  projeto,  diante  da constatação  de  demanda  crescente de casos daquela natureza. Surgiu a idéia do Curso de Formação em Mediador Comunitário, para que os conflitos da comunidade de pescadores e marisqueiras pudessem ser encaminhados para a resolução pelos Mediadores Comunitários, com  uma  supervisão  geral do  coordenador do projeto.
Com esta fotografia da comunidade e como as instâncias formais da justiça não são capazes de suportar  as demandas  crescentes da parcela mais carente da população, e crendo na mediação comunitária como meio  eficaz  de  resolver  conflitos, a  par  da  responsabilidade  social  do cidadão e das instituições, é que nos engajamos no projeto, ressaltando que a nossa jangada ali chegou guiada por ativistas, que já se dedicavam àquela comunidade de pescadores.
O objetivo geral do projeto é levar às comunidades conteúdos da área de família, trabalho, saúde, questões da mulher, de educação, com ênfase nos direitos e garantias assegurados no art. 5º da Constituição Federal, possibilitando o exercício da cidadania frente aos órgãos públicos, com a instrumentalização de líderes da comunidade de pescadores e marisqueiras.
O instrumento desenvolvido é o Curso de Formação de Mediador Comunitário, para possibilitar à comunidade resolver seus conflitos, reduzindo a procura  aos  órgãos  do  sistema  de justiça (Defensoria Pública, delegacias, Ministério  Público,  Poder  Judiciário, etc.), além de reforçar a autoestima e confiança entre os seus próprios membros quando começarem a reconhecer a  capacidade  de  solucionar  os  seus problemas  com  um  instrumento  de conciliação desenvolvido com e paramarisqueiras e pescadores.
Buscamos referenciais teóricos para uma incursão segura na comunidade escolhida, sob o prisma da psicologia comunitária que ampliou a concepção de intervenção individual para o coletivo.
Com a idéia  pronta  e  o  projeto  de intervenção realizado, restava o batismo do projeto com o nome que traduzisse a ideia e os ideais. Assim, o nome “Jangadas da Cidadania”, foi o aprovado pela Colônia Z-67.
O projeto é realizado em  oficinas quinzenais,  com duração de quatro meses e meio e objetiva o desenvolvimento de competências para participação  da vida em sociedade, com  habilidades para resolução de conflitos relativos a direitos básicos do cidadão e também voltado para um pensamento reflexivo que qualifique a ação política, junto a lideranças de pescadores e marisqueiras.
                O  projeto  não  se  esgota  com  esta etapa  da  mediação  comunitária,  pois como o próprio nome do projeto sugere, a cidadania inclui diversos direitos e garantias que podem surgir em outras etapas .
                A esperança reportada nas palavras de Paulo Freire é a grande mola a impulsionar este projeto de conquista de direitos.

*Maurício Brasil, Juiz de direito na Bahia, membro do Conselho de Administração da AJD

E AGORA, BRASIL?

Fábio Konder Comparato *

A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de decidir que o Brasil descumpriu duas vezes a Convenção Americana de Direitos Humanos. Em primeiro lugar, por não haver processado e julgado os autores dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver de mais 60 pessoas, na chamada Guerrilha do Araguaia. Em segundo lugar, pelo fato de o nosso Supremo Tribunal Federal haver interpretado a lei de anistia de 1979 como tendo apagado os crimes de homicídio, tortura e estupro de oponentes políticos, a maior parte deles quando já presos pelas autoridades policiais e militares.

O Estado brasileiro foi, em consequência, condenado a indenizar os familiares dos mortos e desaparecidos.

Além dessa condenação jurídica explícita, porém, o acórdão da Corte Interamericana de Direitos Humanos contém uma condenação moral implícita.

Com efeito, responsáveis morais por essa condenação judicial, ignominiosa para o país, foram os grupos oligárquicos que dominam a vida nacional, notadamente os empresários que apoiaram o golpe de Estado de 1964 e financiaram a articulação do sistema repressivo durante duas décadas. Foram também eles que, controlando os grandes veículos de imprensa, rádio e televisão do país, manifestaram-se a favor da anistia aos assassinos, torturadores e estupradores do regime militar. O próprio autor destas linhas, quando ousou criticar um editorial da Folha de S. Paulo, por haver afirmado que a nossa ditadura fora uma "ditabranda", foi impunemente qualificado de "cínico e mentiroso" pelo diretor de redação do jornal.

Mas a condenação moral do veredicto pronunciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos atingiu também, e lamentavelmente, o atual governo federal, a começar pelo seu chefe, o presidente da República.

Explico-me. A Lei Complementar nº 73, de 1993, que regulamenta a Advocacia-Geral da União, determina, em seu art. 3º, § 1º, que o Advogado-Geral da União é "submetido à direta, pessoal e imediata supervisão" do presidente da República. Pois bem, o presidente Lula deu instruções diretas, pessoais e imediatas ao então Advogado-Geral da União, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, para se pronunciar contra a demanda ajuizada pela OAB junto ao Supremo Tribunal Federal (argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 153), no sentido de interpretar a lei de anistia de 1979, como não abrangente dos crimes comuns cometidos pelos agentes públicos, policiais e militares, contra os oponentes políticos ao regime militar.

Mas a condenação moral vai ainda mais além. Ela atinge, em cheio, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República, que se pronunciaram claramente contra o sistema internacional de direitos humanos, ao qual o Brasil deve submeter-se.

E agora, Brasil?

Bem, antes de mais nada, é preciso dizer que se o nosso país não acatar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ele ficará como um Estado fora-da-lei no plano internacional.

E como acatar essa decisão condenatória?

Não basta pagar as indenizações determinadas pelo acórdão. É indispensável dar cumprimento ao art. 37, § 6º da Constituição Federal, que obriga o Estado, quando condenado a indenizar alguém por culpa de agente público, a promover de imediato uma ação regressiva contra o causador do dano. E isto, pela boa e simples razão de que toda indenização paga pelo Estado provém de recursos públicos, vale dizer, é feita com dinheiro do povo.

É preciso, também, tal como fizeram todos os países do Cone Sul da América Latina, resolver o problema da anistia mal concedida. Nesse particular, o futuro governo federal poderia utilizar-se do projeto de lei apresentado pela Deputada Luciana Genro à Câmara dos Deputados, dando à Lei nº 6.683 a interpretação que o Supremo Tribunal Federal recusou-se a dar: ou seja, excluindo da anistia os assassinos e torturadores de presos políticos. Tradicionalmente, a interpretação autêntica de uma lei é dada pelo próprio Poder Legislativo.

Mas, sobretudo, o que falta e sempre faltou neste país, é abrir de par em par, às novas gerações, as portas do nosso porão histórico, onde escondemos todos os horrores cometidos impunemente pelas nossas classes dirigentes; a começar pela escravidão, durante mais de três séculos, de milhões de africanos e afrodescendentes.

Viva o Povo Brasileiro!

* Fábio Konder Comparato, Doutor em Direito pela Universidade de Paris, é Professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.


 
Comissão de Anistia do Ministério da Justiça:
NOTA DE MANIFESTAÇÃO SOBRE A DECISÃO DA OEA
 
 
A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça vem, por intermédio desta nota pública, e a propósito da Sentença prolatada no dia 14.12.10 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no Caso 11.552 Julia Gomes Lund e Outros VS Brasil (Guerrilha do Araguaia), manifestar o que se segue:
 
1. A Comissão de Anistia reconhece a sentença prolatada pela Corte IDH no caso Araguaia como um importante e decisivo marco para a promoção e a proteção dos Direitos Humanos no país. Esta decisão sinaliza de maneira inquestionável para a repulsa à prática de crimes contra a humanidade, especialmente quando cometidos pelo Estado contra os seus próprios cidadãos, afastando com veemência qualquer obstáculo que se interponha para a persecução e o julgamento dos responsáveis.

2. A Corte Interamericana determinou a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pelo desaparecimento forçado de camponeses e militantes da Guerrilha do Araguaia e declarou que a Lei de Anistia de 1979 não pode seguir representando um obstáculo para a investigação, identificação e punição dos responsáveis pelos crimes de tortura, desaparecimento forçado e assassinato das vítimas da Guerrilha do Araguaia e tampouco pode ser aplicável a outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana, ocorridos no Brasil.
 
3. Essa decisão demarca a superioridade da jurisdição internacional dos direitos humanos sobre as decisões judiciais do país que afrontem as suas determinações. Aguarda-se agora que o STF na ADPF 153 corrija sua decisão anterior ajustando aos preceitos internacionais de justiça como assim o fora exigido pela OAB. Afastar a aplicação da lei de anistia para torturadores no Brasil é tarefa para todas as instituições do Estado democrático. Em um momento histórico no qual o Brasil desponta com forte protagonismo no cenário internacional é indispensável que o país seja um exemplo nas suas políticas públicas e entendimentos judiciais quanto ao tema dos Direitos Humanos e no respeito às jurisdições internacionais às quais o país se submete por sua própria e soberana vontade. É indispensável, portanto, que a decisão da Corte IDH no caso Araguaia seja integralmente cumprida pelo Estado brasileiro.

4. O Poder Judiciário e o Ministério Público brasileiros têm papel fundamental para que a sentença seja plenamente cumprida, uma vez que deverão promover a investigação e a responsabilização daqueles agentes que durante a Ditadura Militar cometeram crimes de lesa humanidade. A Lei n. 6683, de 1979, conforme expôs o tribunal interamericano, não pode ser aplicada em benefício dos autores destes crimes, e as ações penais contra os supostos responsáveis deverão ser examinadas pela jurisdição comum e não pelo foro militar. A Comissão de Anistia coloca-se à disposição de juízes, promotores e procurados para colaborar com o pleno cumprimento da decisão apresentando todos os relatos e documentos disponibilizados em seu amplo acervo de reparação às vítimas.

5. Com esta decisão, a Comissão de Anistia espera que a Justiça Federal do Rio de Janeiro desbloqueie o pagamento das justas indenizações aos 45 camponeses atingidos pela repressão à Guerrilha do Araguaia.

6. A Comissão de Anistia reconhece e parabeniza a incansável luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos na Guerrilha do Araguaia bem como o Centro pela Justiça e o Direito Internacional- CEJIL, que representou os brasileiros perante a Corte e todas as pessoas e organizações que concorreram para a ação como amicus curiae. E felicita a Corte Interamericana e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelas coerentes decisões que hoje fortalecem a democracia brasileira.

Sessão Plenária da Comissão de Anistia, de 15 de dezembro de 2010.

Paulo Abrão
Presidente


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

BRASIL
Corte Interamericana de DH condena Estado no caso da Guerrilha do Araguaia


Karol Assunção (Adital)

Após mais de 30 anos de luta, organizações sociais de direitos humanos e familiares das vítimas da ditadura militar brasileira finalmente receberam uma boa notícia. No último dia 24, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), responsabilizou o Brasil pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas da Guerrilha do Araguaia.
A sentença "Caso Gomes Lund e Outros (‘Guerrilha do Araguaia’) VS. Brasil", divulgada nessa terça-feira (14), refere-se às ações de detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado praticadas pelo Exército brasileiro contra integrantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B) e camponeses. As operações militares, realizadas entre 1972 e 1975 - durante a ditadura militar - tinham o objetivo de acabar com a Guerrilha do Araguaia.
Na sentença, a Corte destaca que a Lei de Anistia do Brasil não pode continuar a atrapalhar as investigações do caso nem representar obstáculo para a identificação e punição dos responsáveis pelas violações de direitos humanos. Além disso, condena o Estado como responsável, entre outras, pelas "violações dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal" de 62 pessoas durante o período da ditadura.
Por conta disso, a Corte estabelece que o Estado: investigue o caso, determine as responsabilidades penais e aplique as devidas sanções; esforce-se para descobrir o paradeiro das vítimas, identificá-las e entregar os restos mortais a seus familiares; ofereça tratamento médico e psicológico às vítimas; realize ato público de reconhecimento de responsabilidade no caso;  promova curso ou programa sobre direitos humanos para integrantes das Forças Armadas; e adote medidas para tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas de acordo com os parâmetros interamericanos.
Para Vitória Grabois, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM/RJ) e familiar de três desparecidos da Guerrilha, a sentença representou a "coroação" do trabalho de mais de 30 anos de parentes e organizações que lutam por justiça no caso.
"Essa sentença representa uma grande vitória (...). Mostra que nosso trabalho foi reconhecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos", alegra-se, ressaltando que a sentença era uma "dívida histórica" que os governos brasileiros tinham com os familiares das vítimas e com a sociedade brasileira em geral.
Entretanto, a vice-presidente do GTNM/RJ recorda que as atividades das organizações não terminaram com a condenação do Brasil pela Corte IDH. "Nosso trabalho agora é pressionar o Estado brasileiro para que cumpra a sentença da Corte", anuncia, demandando ainda a abertura dos arquivos secretos da ditadura. "Queremos abrir para saber onde as vítimas foram enterradas", destaca.
De acordo com o documento, um ano após a notificação da condenação, o Estado brasileiro terá de apresentar ao Tribunal um relatório sobre as ações realizadas para o cumprimento da sentença.


NOTA PÚBLICA - RJ - NOVEMBRO de 2010

À MARGEM DA LEI TODOS SÃO MARGINAIS

A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, fundada em 1991, que tem por finalidade estatutária o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, em consideração às operações policiais e militares em curso no Rio de Janeiro, vem manifestar preocupação com a escalada da violência, tanto estatal quanto privada, em prejuízo da população que suporta intenso sofrimento.
Para além da constatação do fracasso da política criminal relativamente às drogas ilícitas no país, bem como da violência gerada em razão da opção estatal pelo paradigma bélico no trato de diversas questões sociais que acabam criminalizadas, o Estado ao violar a ordem constitucional, com a defesa pública de execuções sumárias por membros das forças de segurança, a invasão de domicílios e a prisão para averiguação de cidadãos pobres perde a superioridade ética que o distingue do criminoso. 
A AJD repudia a naturalização da violência ilegítima como forma de contenção ou extermínio da população indesejada e também com a abordagem dada aos acontecimentos por parcela dos meios de comunicação de massa que, por vezes, desconsidera a complexidade do problema social, como também se mostra distanciada dos valores próprios de uma ordem legal-constitucional.
O monopólio da força do Estado, através de seu aparato policial, não pode se degenerar  num Estado Policial que produz repressão sobre parcela da população, estimula a prestação de segurança privada, regular e irregularmente, e dá margem à constituição de grupos variados descomprometidos com a vida, que se denominam esquadrões da morte, mãos brancas, grupos de extermínio, matadores ou milícias.
Por fim, a AJD reafirma que só há atuação legítima do Estado, reserva da razão, quando fiel à Constituição da República.